Farta pesquisa dá fôlego a livro sobre história da nossa língua

Crédito: Bruno Poletti/Folhapress Instalacao do brasileiro Tunga na mostra Troposhere, em Pequim
Domício Proença Filho na 14ª edição do Troféu Raca Negra, em 2016

SÉRGIO RODRIGUES
COLUNISTA DA FOLHA

MUITAS LÍNGUAS, UMA LÍNGUA (BOM)

  • Preço R$ 89,90 (672 págs.)
  • Autor Domício Proença Filho
  • Editora José Olympio

"Muitas Línguas, uma Língua", de Domício Proença Filho, é um livro ambicioso que busca sumarizar em mais de 600 páginas "a trajetória do português brasileiro", como informa o subtítulo.

Ao mesmo tempo, em defesa prévia contra os malogros inerentes a empreitada tão ciclópica, o autor —que é membro da Academia Brasileira de Letras— afirma já no início que o trabalho "constitui, deliberadamente, um esboço".

Esse caráter de esboço é provavelmente inseparável da decisão tomada por Proença Filho de evitar todo recorte que lhe possibilitasse dar profundidade a matéria tão vasta, optando, ao contrário, por sobrevoos mais ou menos alentados em questões históricas, políticas, estéticas, educacionais, ortográficas etc.

A obra pode ser enquadrada, assim, na categoria acadêmica da "revisão de literatura", propondo uma espécie de história das histórias e interpretações sobre o português brasileiro. E é como tal que mais se aproxima de realizar a contento sua ambição.

O capítulo "O Romantismo e a Língua", para ficar num só exemplo, resgata com hábeis recortes de textos da época um debate hoje quase esquecido sobre a aurora de nossa autonomia linguística e literária.

Para o leitor não acadêmico, curioso sobre a história de seu idioma natal, o percurso pode ser penoso não só pela extensão, mas também por dispensar dois recursos da divulgação científica: o foco em curiosidades "humanas", típico dos historiadores pop, e a ousadia ensaística de selecionar apenas os fatos necessários à demonstração de uma ou mais teses iluminadoras.

A primeira dessas armas pode ser considerada frívola, mas a segunda teria utilidade, nem que fosse apenas para impedir o autor de, obrigado a falar de tudo um pouco, recorrer a platitudes como esta: "Os termos de gíria, com poucas exceções, têm suas origens em épocas e locais distintos".

O estilo da obra contribui em muitos momentos para dificultar a leitura. Há um abuso de frases sem verbo, como se o autor tivesse feito anotações que, ancorado no álibi do "esboço", abriu mão de desenvolver: "No porto de Lisboa, a gente, a corte, a surpresa".

Em momentos poéticos, o estilo parece traduzir um rebuscamento datado -e não apenas no aspecto textual. Como nesta síntese romântica da contribuição africana: "Gera morenos e mulatos, em leito de carne branca, e cafuzos, em redes avermelhadas. O leite branco de negras passa de beiços a lábios. Deixa ginga, cria bossa, trejeitos de malandragem da melhor malandraria".

No entanto, o fôlego da pesquisa, a farta reprodução de documentos históricos e as remissões à bibliografia listada em 26 páginas garantem o interesse do livro para estudiosos da matéria.

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