Yoshi Oida ressalta a filosofia oriental em sinfonia de Mahler

Crédito: Lenise Pinheiro - 12.dez.2017/Folhapress O japonês Yoshi Oida em meio ao cenário de 'A Canção da Terra
O japonês Yoshi Oida em meio ao cenário de 'A Canção da Terra'

PAULO BIO TOLEDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A CANÇÃO DA TERRA (ótimo) * * * * *
QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h; até 14/1
ONDE Sesc Pinheiros - teatro Paulo Autran, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
QUANTO R$ 18 a R$ 60
CLASSIFICAÇÃO 14 anos

O espetáculo "A Canção da Terra" é inspirado na mais emblemática sinfonia de Gustav Mahler escrita para tenor, contralto (ou barítono) e orquestra a partir de seis poemas chineses do século 8.

O diretor japonês Yoshi Oida, um dos grandes atores do teatro mundial, transforma a composição de Mahler em uma ópera ao desenvolver uma pequena trama para o ciclo de canções. Os poemas musicados convertem-se em árias do longo diálogo de um casal que se reencontra em um monastério budista para o enterro de sua jovem filha.

A trama parece se referir ao próprio compositor. Afinal, quando criou "A Canção da Terra", Gustav Mahler (1860-1911) sofria a perda de sua filha Maria, morta de difteria aos 4 anos de idade, e encontrara na tradução alemã de Hans Bethge para os poemas chineses uma forma artística de elaborar o sofrimento.

Já gravemente enfermo do coração, Mahler morreria pouco depois de finalizar sua obra maior, cuja última canção chama-se "Despedida".

É como se o espetáculo de Oida, por meio da sinfonia, encenasse a busca do compositor em lidar com a dor da morte e com o prenúncio de sua própria partida.

CÍCLICO

Para o diretor, o caminho encontrado por Mahler tem a ver com a percepção da natureza cíclica das coisas. Tudo seria uma sequência de contrários, cuja harmonia se dá por um eterno ciclo. Como a morte e a vida, o dia e a noite, a primavera e o outono.

Nesse sentido, a montagem de Oida é uma composição de opostos. A cena é envolvida por uma cenografia que demarca a antagônica harmonia da natureza. A água em uma fonte de bambu no lado direito do palco contrasta com o fogo do lado esquerdo que ilumina as cenas finais.

A terra como rocha bruta emoldurando o chão do espaço liga-se à sugestão do vento na escultura que desce pelo ar na última cena.

As canções que formam o conjunto da sinfonia são entoadas no espetáculo por um tenor que representa um homem ocidental, ébrio e expansivo, e, do outro lado, a meio-soprano interpreta a mulher oriental, responsável e de movimentos contidos.

Nos ritos fúnebres da criança, com a dor da perda brilha a lembrança da vida nas canções "Da Juventude" e "Da Beleza". Ao mesmo tempo, a jovial esperança primaveril anuncia também a melancolia outonal, e vice-versa. Como se tudo contivesse também o seu oposto.

A filosofia que percorre a peça por vezes soa como conformismo. O tempo da natureza torna-nos seres insignificantes, como folhas que caem e tornam a brotar. Grãos de areia ao sabor do vento e de uma ordem maior que só nos resta contemplar e aceitar.

Apesar disso, a impactante beleza das imagens contraditórias criadas por Oida ilumina uma forma específica e milenar de dialética oriental sobre a vida.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.