Longa '120 Batimentos' resgata levante contra o HIV na França

Crédito: Divulgação O ator Félix Maritaud no filme "120 Batimentos por Minuto"
O ator Félix Maritaud em cena do filme "120 Batimentos por Minuto"

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

120 BATIMENTOS POR MINUTO (ótimo) * * * * *
(120 battements par minute)
DIREÇÃO Robin Campillo
ELENCO Nahuel Perez Biscayart, Arnaud Valois, Adèle Haenel
PRODUÇÃO França, 2017, 16 anos
QUANDO em cartaz desde quinta-feira (5)
Veja salas e horários de exibição

Se hoje a ambição de parte dos gays é conquistar um corpo sarado, poucas décadas atrás, em meio à epidemia de Aids, o mais importante era conseguir sair vivo.

O título "120 Batimentos por Minuto" aponta, em primeiro lugar, para a urgência daquela época, manifesta na necessidade de buscar tratamentos para conter a síndrome ou, pelo menos, retardar o seu avanço.

A aceleração também marcou o trabalho de ativistas, como os do grupo Act Up. Eles denunciaram o desinteresse dos governos em investir em prevenção e na conscientização sobre os riscos de uma doença letal cujas primeiras vítimas eram grupos postos à margem da sociedade: homossexuais, usuários de drogas e prostitutas.

A intensidade das batidas também emergiu naquele momento com a ascensão de ritmos como o da "house music" e seus sons que mesclam efusividade e melancolia, celebrando a vitalidade em meio ao luto.

"120 Batimentos por Minuto" também evoca o tempo que se acelera quando a existência foi encurtada, quando pessoas muito jovens descobriram que tinham apenas meses de vida e a possibilidade de gozar sem travas foi bloqueada pelo medo da morte.

O diretor francês Robin Campillo, em seu terceiro longa, alcança uma síntese rara entre narrar o passado próximo e medir seu impacto no presente, sem apelar para a nostalgia e sabendo evitar os efeitos lacrimogêneos dos melodramas contaminados por doenças.

O longa, que recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes do ano passado, foge do modelo das ficções pedagógicas, como "E a Vida Continua" (1993) ou "Filadélfia" (1993). Prefere revelar como a Aids deixou de ser um problema epidemiológico e provocou uma mutação política a partir do momento em que os gays foram identificados como um dos "grupos de risco".

Um dos efeitos dessa lógica cegante ressurge no filme com os personagens de um garoto hemofílico, contaminado pelo HIV em transfusões, e da mãe dele, impondo outras faces ao drama.

O foco principal de "120 Batimentos por Minuto" é a condição homossexual antes, durante e depois da Aids, os efeitos negativos da invisibilidade –que ainda ecoam na metáfora do ficar ou sair do "armário"– e o modo como a epidemia acarretou processos de visibilidade e nas formas de aceitação de si e de afirmação perante os outros.

Para alcançar isso, Campillo não se preocupa somente em reconstituir o trabalho da militância; coloca também em perspectiva as estratégias de agressão do Act Up e sua eficácia midiática.

Nada disso, porém, faz de "120 Batimentos por Minuto" um filme gay para gays. Afinal, ele traz um formidável estudo da democracia como prática superior do diálogo e do confronto, da dialética como lógica do combate e do fortalecimento, antítese do ruído que atualmente confundimos com "política".

Sua importância aparece ao demonstrar como o ser político não emerge apenas na arena pública, enraizando-se na subjetividade, nos corpos e na intimidade, onde a vida aparece como transmissão, o que inclui o gozo e não exclui a morte.

Pôr tudo isso em cena com tamanha audácia e ainda mostrar que, apesar dos pesares, a banda continuou a tocar, que o bando não parou de fazer barulho e que a beleza pode ser escandalosa são os maiores trunfos do filme.

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