Longa 'Viva - A Vida É uma Festa' trata a morte com vivacidade

A. O. SCOTT
DO "NEW YORK TIMES"

Um dos prazeres de um novo longa da Pixar é se deslumbrar com o que a animação é capaz de fazer. Às vezes testemunham-se grandes avanços, como o movimento computadorizado dos pelos dos monstros em "Monstros S. A", da água em "Procurando Nemo" ou do metal em "Carros".

As inovações de "Viva - A Vida É uma Festa" são mais sutis mas nem por isso menos satisfatórias: a textura do couro e as dobras enferrujadas são brutas, quase táteis.

Ossos, cachorros sem pelos e pétalas alaranjadas de flores parecem estranhamente reais.

Há momentos de rigor cinematográfico que aquecerão o coração de qualquer entusiasta da técnica cinematográfica. Isso para não mencionar o número musical estrelado por sementes dançantes de mamão, inspirado por Frida Kahlo.

"Viva" também é daqueles filmes da Pixar que tentam um salto conceitual, com a emotividade aberta da moderna animação comercial a uma zona de experiência improvável.

Desde o começo, o estúdio explorou a vida de objetos inanimados e invocou o futuro pós-humano ("Wall-E") e o inconsciente humano ("Divertida Mente") com espantosa engenhosidade. Agora, produz um desenho para toda a família, e o tema é a morte.

Não permita que isso assuste seus filhos. Há um homicídio e um acidente fatal relacionado a um sino de igreja, mas o além de "Viva" é um lugar caloroso e frenético, mais cômico que soturno.

A história acontece no Dia dos Mortos, quando, segundo a tradição mexicana (ao menos na forma como o filme a apresenta), os controles de fronteira entre a vida e a morte são abrandados e os finados recebem autorização para visitar o mundo dos vivos.

TRAILER

Um menino chamado Miguel faz a travessia no sentido oposto, o que não quer dizer que ele tenha morrido, mas que seu ser vivo é transportado para um mundo fantástico de espectros e esqueletos. Ao chegar lá, ele se depara com festas fabulosas e ruidosos shows ao ar livre.

Quase tão encantadora é a aldeia mexicana de Santa Cecilia, o lar de Miguel, onde ele é parte de uma próspera família de sapateiros. O clima cultural de "Viva" é de inclusão e não de exorcismo, o que esvazia as preocupações sobre apropriação e autenticidade.

No caso, a importância da família é tanto específica quanto universal. É o que explica o ritmo da história de Miguel e o que o conecta aos espectadores não importa quais sejam as origens destes.

O protagonista tem alguma semelhança com outros recentes heróis de animações. Músico talentoso em uma família na qual a música é proibida, ele se parece com Remy, o rato de "Ratatouille", cujos parentes são hostis à sua ambição artística, e com Mano, o pinguim desajustado de "Happy Feet". A busca genealógica de Miguel (por uma raiz) se assemelha à jornada de Dory em "Procurando Dory".

Mas, se "Viva" não atinge o nível elevado definido pelas obras-primas da Pixar, ainda assim interpreta uma melodia bem conhecida com originalidade e pique contagiantes, e com traços de divertida erudição quanto à cultura pop.

A inspiração musical de Miguel é um cantor e astro de cinema já morto, Ernesto de la Cruz. Na vida e na morte, ele encarna ideais veneráveis de romantismo e de machismo magoado. A forma mais pura dessa tradição é personificada por Héctor, um fantasma maltrapilho e ignorado que que faz amizade com Miguel.

A determinação das mulheres da família do garoto em silenciar o violão de Miguel deriva do sofrimento que viveram e da associação entre o instrumento musical e a inconstância dos homens.

"Viva" evita os tons sombrios associados ao tema, da mesma forma que velhas baladas mexicanas sobre homicídios às vezes são recriadas como canções infantis. O processo é reconfortante em lugar de assustador, o que mostra um compromisso comercial astuto e bem-sucedido -mas ainda um compromisso.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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