Marcelo Mirisola desfia obsessões em novo livro, 'Como se Me Fumasse'

Crédito: Zo Guimaraes/Folhapress O escritor paulista Marcelo Mirisola, em rua do Leme, no Rio de Janeiro, onde vive
O escritor paulista Marcelo Mirisola, em rua do Leme, no Rio de Janeiro, onde vive

MAURÍCIO MEIRELES
COLUNISTA DA FOLHA

O exercício da crônica o fez perder a mão de romancista, afirma o escritor Marcelo Mirisola. O tom de conversa do gênero contaminou sua escrita e o teria feito escrever seus "piores" livros.

"Alguns escritores conseguem [transitar entre os dois gêneros], como o [colunista da Folha Carlos Heitor] Cony. Mas me atrapalhou. A crônica é um palpite, mas o romance tem que ter uma espinha dorsal, não dá para ficar de conversinha mole", diz.

Agora, Mirisola lança seu novo livro, "Como se Me Fumasse" e considera ter voltado à velha forma –num livro autoficcional que busca o lirismo em meio à escatologia, um cipoal de obsessões e uma voz agressiva.

No novo romance, a espiral de reflexões e lembranças em que o narrador se mete é disparada pela volta de uma ex –apelidada de Ruína–, um dia depois da morte de sua mãe, e 40 dias após a morte do pai.

Temos um homem assolado pelo luto e pelas lembranças de conflitos familiares, subjugado pelas mulheres.

Como Nelson Rodrigues (1912-1980), citado a todo tempo, o personagem é uma flor da obsessão –e a estrutura narrativa, cheia de idas e vindas e repetições, reforça seu caráter obcecado.

"As obsessões são um dos instrumentos que tenho para trabalhar. O autor não pode abrir mão de nenhuma delas: a vingança, o ódio, a saudade", explica Mirisola.

Ao mesmo tempo, quando o personagem faz alguns de seus muitos dramalhões desbragados –como ter desejo de ir para o caixão "de mamãe", cheio de flores amarelas–, Ruína debocha da sua cara. Mais tarde, a palavra "ruína" vai se referir a outras mulheres da vida do personagem.

"Isso vem dos tempos em que nós vivemos, as mulheres estão dominando tudo. O homem se transformou num manso. [Ernest] Hemingway, hoje, soa tão inverossímil como a submissão das mulheres."

Ele diz ainda se surpreender quando o lirismo brota do "lixão", uma marca forte de seu estilo, diante de um narrador que escreve a contragosto, trata a literatura como uma maldição.

MEIO LITERÁRIO

Muitos não morrem de amores por Mirisola. Sempre com dedo em riste, ele tem a reputação de sempre apontar o que considerava covardias, conchavos e sistemas de privilégios do meio literário –normalmente dizendo nomes, desafiando, chamando para a briga.

Não que o autor capitule das críticas no novo livro, pelo contrário –mas desta vez ele coloca também a si mesmo como alvo. E vê nisso um sinal de maturidade.

Mirisola compara, por exemplo, "Como se Me Fumasse" com "Animais em Extinção" (2008), que também fala do meio editorial, essa "máquina de moer alminhas", segundo suas palavras.

"'Animais' era uma crítica como se o narrador fosse melhor, em nenhum momento contaminado. Nesse livro novo, ele reconhece que fez parte [do jogo], que manipulou e foi manipulado. Escrever sob o ponto de vista de um narrador que não se envolve com aquilo seria ingenuidade", afirma.

Narrador e autor coincidem nessa análise?

"Já fui bola da vez. Sei como é. Todo mundo puxando seu saco, você vai acreditar naquilo. E aí é só aceitar a corda enfeitada que lhe oferecem e se enforcar. Foi o que fiz", conta Mirisola.

"Você fazer autoficção e dizer que é tudo construção é uma desonestidade intelectual. Evidente que é tudo experiência própria. Mas no final o que vai contar é o resultado artístico disso."

Como Se Me Fumasse
Marcelo Mirisola
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Em dado momento do livro, chega a dizer que "o ego é o coração do escritor" –ou seja, explica, um núcleo que permite a criação, mas também pode destruí-lo.

COMO SE ME FUMASSE
AUTOR Marcelo Mirisola
EDITORA Editora 34
QUANTO R$ 41 (176 págs.)

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