King Krule mistura jazz, punk, dub e hip-hop e mostra potencial para 'cult'

Crédito: Roger Kisby/The New York Times O cantor inglês King Krule, que grava o que chama de "histórias cruas sobre as ruas"
O cantor inglês King Krule, que grava o que chama de "histórias cruas sobre as ruas"

JOE COSCARELLI
DO "NEW YORK TIMES"

Archy Marshall, cantor inglês conhecido como King Krule, é uma criatura noturna. Conhecido desde os 15 anos como compositor imprevisível e precocemente sábio, Marshall, 23, assumiu o papel de bardo de classes oprimidas.

Em canções que misturam jazz, punk, dub, hip-hop e a interpretação afetada de um cantor de lounge permanentemente chapado, ele grava o que chama de "histórias cruas sobre as ruas", mas com um lado "sensível e romântico" e o objetivo de "tomar o realismo social e transformá-lo em surrealismo social."

"Na calada da noite, eu uivo/ Todos nós temos nossos males", rosna Marshall em barítono seco repleto de sotaque em seu novo álbum, "The Ooz", de outubro passado.

"Viajar tanto, tocar tanto e viver tanto na pele desse personagem, isso tudo me obscureceu", disse Marshall, recordando o vórtice de atenção que acompanhou "6 Feet Beneath the Moon", seu EP de estreia, em 2013 –até Beyoncé se declarou fã do álbum.

"Era jovem demais e entrei de cabeça na coisa, tentando criar uma carreira, mas por algum tempo perdi de vista o lugar de onde tinha vindo."

"The Ooz" é um retorno a ele mesmo, escrito nos três anos em que Marshall voltou a viver com a mãe no bairro londrino de East Dulwich.

Com 19 faixas e mais de uma hora de duração, o álbum, seu segundo como King Krule, parece um mergulho no seu turbulento inconsciente, cambaleando do quase rap ao punk pós-Clash.

FLUIDOS

A palavra "ooz" representa os fluidos acumulados que o corpo descarrega. "Você vai dormir e suas unhas crescem, seu cabelo; seus dentes estragam, seu nariz escorre. Você refinar as coisas a cada dia."

O álbum, denso e intransigente, torna Marshall parte de uma categoria de ídolos indie meio relutantes, como Frank Ocean, Earl Sweatshirt e James Blake. Todos são crianças-prodígio da internet, responsáveis por sintetizar combinações originais de influências (e angústias adolescentes) na forma de sons novos, e tendem a despertar a lealdade dos fãs por seu compromisso para com a integridade artística e o trabalho multimídia de múltiplas camadas.

Cortejar ouvintes obsessivos e evitar inundar o mercado, diz Marshall, é tática de sobrevivência.

"Você vê garotos que lançam uma coisa ótima, e de repente estão em toda parte, 1 milhão de pessoas os assistem; queria desenvolver e preservar minha arte", diz. "Se você exagera, as pessoas se cansam. Eu curto ser um pouco misterioso."

Dean Bein, fundador da True Panther Sounds, gravadora de Marshall, disse que, quando conheceu o cantor, na época com 15 anos, "soube na hora que ele era especial".

"Já então, ele não se preocupava com aparência, não procurava atenção. Agia sempre com decisão".

Bein recorda que Marshall rejeitou um artigo de capa "em uma revista bem importante porque não se achava merecedor" e que recusou "colaborações notáveis porque não via como o som daqueles artistas podia se encaixar ao seu."

Marshall descreveu a situação de maneira mais contundente: "Lembro de que Kanye [West] me chamou para o estúdio. Qualquer outra pessoa teria aceito, mas eu nem liguei". Marshall enfatizou que sua recusa não foi causada por um senso de superioridade, mas pela pressão de ter de criar dentro de um prazo.

"Gosto da sensação física de viver com alguém, dormir ao lado da pessoa, comer com ela. E no fim fazemos uma música", disse Marshall. "Recusei muitas oportunidades que teriam permitido que eu já fosse rico." Ele se detém, com uma risada e um palavrão. "Argh, por que não aceitei?"

Para "The Ooz", Marshall encontrou inspiração em uma combinação do convencional e do estranho. "Eu ia aos mesmos pubs, passava tempo com os mesmos amigos", ele disse. "E, de repente, duas pessoas exóticas entraram em minha vida e as coisas começaram a mudar."

Uma dessas pessoas é o saxofonista espanhol Ignacio Salvadores, que enviou a Marshall um vídeo via Facebook, em que aparecia tocando sob uma ponte londrina. Comovido com a beleza do vídeo, Marshall o convidou para tocar em um show na mesma noite. Eles fizeram uma jam session que durou horas –"nada de conversa, só música", disse.

Outra participação especial é a de uma mulher de Barcelona, a quem Marshall define como "musa", e que recita um poema em uma faixa.

"Isso me dava algo de romântico a cada noite", disse Marshall. "Tocava guitarra todas as noites e ela ficava sentada ali, tão linda. Isso ajudou ao disco e a mim."

Mais adiante no álbum, o pai de Marshall lê uma tradução para o inglês do mesmo poema, que está repleto dos temas essenciais do trabalho de King Krule: isolamento, afogamento, a lua, a cor azul. "Eu e você contra essa cidade de parasitas", ele conclui. "Parasita/Paraíso."

Conexões familiares, como as que ele mantém com os pais, divorciados, são outra das constantes em sua obra, uma chave para decodificar suas influências e dogmas.

Sua mãe é musicista e gravurista, lançou um disco de "poesia e dub-jazz". O pai, diretor de arte e músico vindo de uma linhagem de artistas, apresentou-lhe o rock clássico. "O gosto deles é todo tão refinado e cool", diz Marshall, como se estivesse revelando seu grande segredo.

"Na minha família, todo mundo é capaz de colocar a caneta no papel e vender o resultado. Mas não vendem."

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.