IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

Winston Churchill nunca saiu de moda, em termos de importância histórica, mas a perceptível renovação do interesse por sua figura na produção cultural recente sugere uma leitura pouco confortável sobre o estado das coisas no Ocidente.

Seja em "The Crown", com John Lithgow dando dignidade aos seus algo constrangedores últimos momentos na vida pública, seja com Gary Oldman e Brian Cox no cinema, a impressão é de que o velho primeiro-ministro está sendo reapresentado.

O vácuo de liderança no Ocidente pode estar na base da explicação do fenômeno. Se o século 20 foi marcado por nomes fortes à frente de grandes desafios, o atual parece um palco de atores ocos.

Pense nos EUA, país que liderava o "mundo livre" da Guerra Fria. A Casa Branca é ocupada por uma figura histriônica como a de Donald Trump, tendo sucedido um Barack Obama tão charmoso quanto ineficaz. Antes deles, Bush filho, Bill Clinton e Bush pai. Não é um panteão.

Numa Europa que envergou François Mitterrand e Helmut Kohl, vemos quem? A figura pálida de Angela Merkel e as pompas imperiais de Emmanuel Macron. Para ficar na terra de Churchill, inexistem premiês dignos do nome desde Margaret Thatcher, ame-a ou não.

Sobram então os autocratas: Putin na Rússia, Xi Jinping na China, não exatamente ideais de liberalidade, ainda que inspirem Hungrias e Polônias da vida.

É possível especular que a dominação infantil do cinema por super-heróis, escapista e rentável, tenha a ver com essa mesma falta. Num registro mais adulto, resta então celebrar de forma mais ou menos idealizada um dos últimos heróis reais.

Um observador poderia comemorar a vacuidade atual como sintoma de uma sociedade mais evoluída politicamente, capaz de rifar a necessidade de lideranças.

Num Ocidente imerso na química castradora de civilidade e do debate público dispensada pelas redes sociais, isso parece mero otimismo.

Churchill também traz um componente humano, falível, seja no tanto de século 19 que ele carregava, no amor pelo charuto e pela bebida, pelo gênio intratável e impulsivo.

Não por acaso, em vida ele nunca foi uma unanimidade: por muitos anos, foi visto como uma relíquia responsável por um dos maiores desastres militares britânicos na Primeira Guerra, a derrota para os otomanos em Galípoli.

Até assumir o comando do país e defender o Reino Unido do assalto nazista em 1940, Churchill era tachado de mero belicista. Já sua segunda passagem pelo cargo, nos anos 1950, foi marcada pelo fastio de uma sociedade que olhava para o futuro.

Mas o que ficou para a história é o autor do monumental discurso em que jurava "nunca se render" ao monstro fascista em 1940.

Quando o texto é lido por um soldado ao fim de outro filme recente que drena energia churchilliana, "Dunkirk" (Christopher Nolan, 2017), a ausência física do premiê é irrelevante. Sua força transcendeu o político, por marcante que fosse, e reverbera hoje num cinema perto de você.

Crédito: Divulgação O primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em fotografia sem data definida
O primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em fotografia sem data definida

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