Amor de Donatella pelo irmão explica perenidade de Versace

PEDRO DINIZ
COLUNISTA DA FOLHA

Costuma-se medir a relevância de um estilista pela quantidade de roupas que vendeu em vida ou pelo quanto suas ideias remexeram o status quo de um tempo. A fórmula existe porque são raríssimos, numa indústria mutante como a da moda, aqueles que conseguem manter seu nome intocado após a morte.

Como o de Gianni Versace, que de certa forma segue vivo no "vestido metálico" estampado nos tapetes vermelhos das lojas do Bom Retiro e do comércio popular de São Paulo, que ano após ano emulam as estampas Barroco Selvagem e Tesouro do Mar em cópias baratas.

Os porquês da reverência do designer, morto há 20 anos e cujo fim dramático é tema da série "O Assassinato de Gianni Versace" (FX), são fruto da busca incessante de outro personagem da história da costura para mantê-lo vivo, ainda que isso lhe custasse um futuro de inseguranças à sombra do irmão: Donatella.

Tão importante quanto Gianni e um desafio para os roteiristas é a estilista, vivida com vigor por Penélope Cruz na obra de Ryan Murphy.

Nos dias seguintes ao assassinato, ela assumiu a responsabilidade de não permitir que Andrew Cunanan, autor do disparo contra o designer, o "matasse pela segunda vez".

Foi Donatella quem eternizou o estilo extravagante, resposta ao minimalismo vigente nos 1980 e 1990 nos Estados Unidos, criado por Gianni.

Se o mundo usa "color blocking", estampa de leopardo e sensualiza com decotes e fendas, é porque ela aceitou o desafio de se transformar na versão feminina do irmão.

Ampliou a aura de glamour das supermodelos –Cindy Crawford, Claudia Schiffer e Naomi Campbell devem a carreira à grife–, da passarela dramática que balança Milão e do teor sexual da Versace.

O ideal de libertação que a grife representou para os gays, que tinham a etiqueta como escape da imagem engomada imposta pela moda masculina, foi estimulado pela estilista quando ela elevou a testosterona das campanhas.

A casa de Gianni em Milão, um retrato da veia barroca e suntuosa da etiqueta, virou sede do império, um lugar onde as memórias ajudaram a desenvolver dúvidas que, Donatella disse à Folha no ano passado, muitas vezes sentiu sobre seu trabalho.

Essa dedicação, que nenhum grupo dono de grifes centenárias pode reproduzir, só se sustenta por laços fraternais, mais fortes que os do mercado de ações. "Gianni, isto é para você", frase repetida constantemente na trilha do último desfile da marca, em setembro passado, foi mantra da designer mesmo quando a imprensa alfinetava seu silêncio sobre o assassinato.

Especialmente neste ano, quando uma retrospectiva da obra de Versace toma Berlim, na Alemanha, a partir de 30 de janeiro, e a coleção em sua homenagem chega às lojas em março, o universo Gianni/Donatella vem à luz.

No museu, na TV e nas vitrines, será possível olhar além do que faz uma marca virar emblema, uniforme de uma noite ou de uma geração e descobrir que a liga de tudo isso é o amor incondicional entre dois irmãos.

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