Peça traz imagem contraditória de vítimas do desastre em Mariana

Crédito: Lenise Pinheiro/Folhapress Integrantes do grupo MPB4
Fani Feldman, Clarissa Drebtchinsky, Rita Batata, Isabel Setti, Rodrigo Caetano e Marcelo Zorzeto

PAULO BIO TOLEDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

HOTEL MARIANA (muito bom) * * * *
QUANDO sex., às 20h30, sáb., às 18h; até 3/2
ONDE Sesc Vila Mariana, r. Pelotas, 141, tel. (11) 5080-3000
QUANTO R$ 6 a R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 14 anos

Em um tempo no qual a tendência do teatro brasileiro é o mergulho na própria subjetividade como se fosse a única expressão autêntica possível, é marcante em "Hotel Mariana" o interesse pelo outro.

Mais do que o rompimento da barragem da mineradora Samarco em 2015, a peça mostra como moradores de distritos de Mariana (MG) enfrentaram a cena apocalíptica de um mar de lama tóxica.

Por meio da técnica chamada verbatim, os atores reproduzem de forma literal depoimentos que escutam em fones de ouvido e que foram recolhidos em Mariana poucos dias após o desastre.

A montagem é praticamente estática. Os atingidos pelo desastre são representados como parte da cenografia de lama endurecida; tornam-se um dos inúmeros objetos fossilizados pelo barro e incrustados nas paredes do cenário.

Tudo remete à paralisia. Como o velho mestre de reisado que andava quilômetros "nas pernas" durante a folia de reis e agora mal se mexe sentado na cama de um hotel em Mariana. Depois do desastre, a vida se petrifica. As pessoas ficam relegadas a uma existência de espera.

Contudo, em meio a essa forte imagem da tragédia aparece uma voz destoante. É o ativista, cujo discurso bem articulado realiza a conexão entre o desastre e a voracidade das mineradoras pelo lucro.

Ele defende a mobilização, denuncia as tentativas da Samarco em desarticular os atingidos por meio de chantagens e mostra como os interesses corporativos desprezam a vida daquelas pessoas. O militante parece estar na peça para elaborar um discurso aparentemente impossível para aqueles moradores.

Em contrapartida, a edição dos textos das vítimas sublinha as falas em que várias delas, com medo de perderem empregos ou a reparação que lhes é devida, minimizam o papel da Samarco no desastre, ao mesmo tempo em que interpretam o que passou como ligado aos desígnios de Deus. É um duro contraste entre ativismo e paralisia.

É bem verdade que os depoimentos também revelam a solidariedade entre iguais, as formas vivas de resistência e heroísmo popular. Mas a contraposição entre o esclarecimento do ativista e uma subserviência conformista dos sobreviventes acaba por desprezar a força que a montagem descobre naquelas pessoas.

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