Drama 'Pela Janela' faz política ao captar a instabilidade do presente

Crédito: Divulgação Magali Biff protagoniza primeiro longa de Caroline Leone
Magali Biff protagoniza primeiro longa de Caroline Leone

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

PELA JANELA (muito bom) * * * *
DIREÇÃO Caroline Viecili Leone
ELENCO Magali Biff, Cacá Amaral, Mayara Constantino, Rony Koren, Solange Davi Candido
PRODUÇÃO Brasil/Argentina, 2017, 10 anos
QUANDO em cartaz desde esta quinta (18)
Veja salas e horários de exibição

Certos filmes pretendem fazer política por meio da afirmação de discursos e da encenação de situações exemplares.

Outros tornam-se políticos graças ao modo como captam o desarranjo, o sentimento de instabilidade que acompanha nosso presente.

"Pela Janela", primeiro longa-metragem de Caroline Leone, parece ser, na superfície, um registro do cotidiano de uma mulher de meia-idade, um retrato feito da observação de momentos dominados pela regularidade e pelo controle.

É essa atenção ao imperceptível, contudo, que permite registrar o impacto da crise, quando a personagem vê se romper o fio que dava sentido à sua existência.

Da primeira à última cena, a câmera de Leone apega-se à figura de Rosália, operária de 65 anos que vive com o irmão, José, na periferia de São Paulo.

Sua postura no ambiente de trabalho tanto quanto em casa indica um modo de viver sem horizontes.

A restrição dos espaços e a decisão de usar planos fechados reiteram a limitação que cerca a personagem.

Ao ser demitida do emprego no qual estava havia décadas, Rosália reage atônita.

A solidez da direção de Leone aparece nesse momento dramático, que é também um ponto de suspensão na estrutura do filme.

Enquanto até ali tudo parecia ordenado e regular, a etapa seguinte da história será apresentada como uma sucessão de instantes aleatórios, aberta ao acaso e à descoberta.

José, preocupado com a depressão de Rosália, leva-a na viagem que ele tem de fazer de São Paulo a Buenos Aires para entregar um carro.

Esse recurso elementar de todo "road movie" serve aqui também para representar a jornada interior por meio da qual Rosália se redescobre, retoma os fios perdidos de sua história e rompe a existência uniforme de operária-padrão.

No lugar da progressão convencional, a diretora faz a opção por uma estrutura narrativa fluida, ajustando a duração das cenas aos afetos da personagem, equilibrando tensões e respiros.

Para isso, Leone conta com o trabalho excepcional de Magali Biff, que empresta não apenas espessura emocional à personagem.

É por meio do trabalho corporal e gestual de sua intérprete que Rosália ganha densidade, torna-se palpável, perdendo a invisibilidade que a condenara ao nada.

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