Morre o poeta chileno Nicanor Parra, inventor da antipoesia, aos 103 anos

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Crédito: Carla Pinilla/El Mercurio O poeta chileno Nicanor Parra
O poeta chileno Nicanor Parra

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

Morreu na madrugada desta terça-feira (23), em Las Cruces, na costa do Chile, o poeta e físico matemático Nicanor Parra, 103, ganhador do Prêmio Cervantes (2011) e até então o mais longevo da família de artistas que marcou o século 20 chileno. Nicanor era irmão da compositora e cantora Violeta Parra (1917-1967).

O poeta vivia havia mais de 20 anos em Las Cruces, onde seguia escrevendo e organizando seus textos para publicação. Também ali recebia visitas de escritores, estudiosos de sua obra e presidentes chilenos, entre eles a atual, Michelle Bachelet, e o recentemente reeleito, Sebastián Piñera. Quem conviveu com ele nesses últimos anos, como o editor Matías Rivas, diz que sua memória estava ainda afiada e que ele recitava versos e contava anedotas de personalidades do ambiente intelectual chileno.

No ano passado, saiu no mercado hispano-americano a antologia "El Último Apaga la Luz" (Penguin Random House), que reúne escritos antigos e recentes. No Brasil, com um atraso tão grande que deu tempo de o autor viver mais de cem anos e morrer antes que se publicasse algo, prepara-se a edição, agora póstuma, de sua primeira antologia de poemas a ser lançada, no segundo semestre, pela editora 34.

Sua obra mais importante foi o livro "Poemas e Antipoemas" (1954), em que trabalhou o linguajar coloquial chileno, com muita ironia e um toque de absurdo. Já suas obras, em geral, trazem uma mistura do saber e da linguagem acadêmicas, ambiente em que passou muitos anos, dando aulas na Universidade do Chile, e do que recolhia em trabalho de pesquisa de campo em comunidades, a exemplo de sua irmã, Violeta, ou simplesmente conversando com os habitantes do vilarejo em que vivia.

Entre seus admiradores estavam o argentino Ricardo Piglia (1941-2017), que o considerava o "maior poeta do idioma depois do peruano Cesar Vallejo (1892-1938)" e o também chileno Roberto Bolaño (1953-2003), que dizia "tudo o que fiz, devo a Parra". Além do crítico norte-americano Harold Bloom, que declarou que "Parra é, inquestionavelmente, um dos melhores poetas do Ocidente."

A presidente chilena, Michelle Bachelet, decretou dois dias de luto nacional e postou no Twitter: "O Chile perdeu um dos maiores escritores da história de nossa literatura e uma voz singular na cultura ocidental. Estou comovida com a morte de Nicanor Parra! Meus mais profundos pêsames à família".

PRIMOGÊNITO

Nicanor era o primogênito de nove irmãos, e contava que havia começado a ler a partir dos jornais com os quais sua mãe forrava as paredes da casa humilde em que a família vivia, em San Fabián de Alico.

Aos 23, publicou seu primeiro livro de poemas. "Cancionero sin Nombre" despertou a atenção de sua conterrânea Gabriela Mistral (1889-1957), Nobel de Literatura em 1945, que o chamou de "futuro poeta do Chile".

Mas, nessa época, Parra ainda não havia decidido dedicar-se integralmente à literatura e foi para os EUA, onde voltou com uma pós-graduação em mecânica pela Universidade Brown. Na volta, assumiu o cargo de diretor da Escola de Engenharia da Universidade do Chile. Parra estudaria também cosmologia em Oxford, na Inglaterra, período que o aproximou da obra de William Shakespeare (1564-1616) e o motivou a encarar a poesia como uma de suas principais atividades.

Nos anos 1970, publicou textos essenciais de sua obra como "Artefactos" (1972) e "Sermones y Prédicas del Cristo de Elqui!" (1977). A partir dos anos 1990, começaram a chegar os prêmios. Em 1991, ganhou no México o Juan Rulfo. Em 2001, o Reina Sofía de Poesía Iberoamericana. Dez anos depois, em 2011, recebe o principal prêmio da língua espanhola, o Cervantes.

CRÍTICAS

Parra também tinha seus críticos, que o consideravam conivente com a ditadura chilena (1973-1990). Um episódio ocorrido em 1970 deixou claro, para alguns de seus colegas, a falta de engajamento político do poeta, em tempos em que o regime militar sequestrou, torturou e fez desaparecer cerca de 3.000 pessoas.

O poeta estava participando de um evento literário em Washington quando foi convidado a visitar a Casa Branca e a tomar chá com a mulher do presidente Richard Nixon, Pat.

Embora tenha feito a visita junto a outros escritores como um gesto de cortesia, a foto com a então primeira-dama dos EUA teve uma repercussão negativa entre seus pares, e o escritor foi expulso do júri do prêmio cubano Casa de las Américas, um dos mais prestigiados da época.

"Mesmo tendo se oposto à ditadura de Pinochet, ele o fez tardiamente, e nunca foi perdoado pela esquerda; cobravam-lhe o fato de ter aceito um convite para dar aulas numa universidade, enquanto em outras havia demissões massivas de professores esquerdistas", disse à Folha Diamela Eltit, escritora chilena e amiga de Parra.

Parra, que era viúvo, deixa os filhos Colombina e Juan de Dios. Seu funeral está previsto para esta quinta (25), em Las Cruces.

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