Descrição de chapéu Artes Cênicas

Apesar de discurso frágil, peça faz boa versão de 'Romeu e Julieta'

Crédito: Lenise Pinheiro/Folhapress Lélia Abramo, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Jô Soares, Benjamin Cattan e Nilda Maria na peça "Oscar", de Claude Magnier, direção de Cacilda Becker, em 1961
Miriam Mehler e Renato Borghi durante ensaio da peça "Romeu e Julieta 80"

PAULO BIO TOLEDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

ROMEU E JULIETA 80 (muito bom) * * * *
QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom. e dia 25/1, às 18h; até 18/2
ONDE Sesc Ipiranga - teatro, r. Bom Pastor, 822, tel. (11) 3340-2000
QUANTO R$ 9 a R$ 30
CLASSIFICAÇÃO 12 anos

"Romeu e Julieta 80" é um exercício avançado a partir daquela que talvez seja a mais conhecida obra de William Shakespeare. Em cena, há somente quatro atores que ficam quase todo o tempo no palco. Renato Borghi e Miriam Mehler interpretam o casal de apaixonados enquanto Carolina Fabri e Elcio Nogueira se revezam nos diversos outros papéis.

As cenas nascem e se ligam umas às outras como se fossem parte de um ensaio. A impressão é a de um grupo investigando coletivamente gestos, intenções e objetivos por trás de cada cena.

O aspecto aberto da encenação cria um efeito de distanciamento crítico que faz com que o fascínio pela trama amorosa não se sobreponha à razão viva de quem lhe assiste.

Esse ambiente experimental no qual a peça acontece enfatiza a ação de cada cena: "Os papéis se revelarão pelo que fazem e não em como se mostram", diz o diretor.

A encenação de Marcelo Lazzaratto faz com que a lírica do texto shakespeariano esteja sempre implicada nas situações concretas vividas pelas personagens e não se sobreponha a elas. Tal abordagem é um antídoto para a leitura de Shakespeare como somente um poeta da alma e não como o homem de teatro.

Apesar disso, o grupo sustenta um discurso frágil. A atriz Carolina Fabri revela que "em tempos de ódio, optamos pelo amor". E as oito décadas de vida dos protagonistas Renato Borghi e Miriam Mehler estão lá para dizer, nas palavras do diretor, que "o amor pode se manifestar em qualquer momento, em qualquer lugar, em qualquer idade".

Para enfatizar essa ideia sentimental, a adaptação retira da peça nada menos do que o seu desenlace trágico.

Contudo, a própria peça de Shakespeare faz a defesa idealista de Eros soar ingênua. O amor aparece ali como uma categoria volátil e ambivalente. Imagina-se eterno, mas é fugaz (como o amor do volúvel Romeu, que minutos antes de conhecer Julieta idolatrava Rosalinda).

Crédito: Lenise Pinheiro/Folhapress Lélia Abramo, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Jô Soares, Benjamin Cattan e Nilda Maria na peça "Oscar", de Claude Magnier, direção de Cacilda Becker, em 1961
Renato Borghi, Elcio Nogueira Seixas, Miriam Mehler e Carol Fabri em "Romeu e Julieta 80"

Se o sentimento é leve, sonhador e lírico, também é regido pela objetividade da carne. É imagem tanto da virtude quanto da ideia fixa.

Pode ser, enfim, a cura para o ódio entre as famílias como também o mergulho no irracionalismo. Assim como os preparos alquímicos do Frei, o mesmo amor pode ser um bálsamo e o mais mortífero dos venenos.

Em "Romeu e Julieta" de Shakespeare, tais variações sobre o amor ecoam ainda os impasses de um ambiente social específico, que oscila entre a justiça dos clãs e o poder do Estado (um tema, aliás, estranhamente atual).

Ao buscar ali uma ode ao belo sentimento, o espetáculo ameaça desfazer o mecanismo dialético da peça que ele próprio coloca em execução. Felizmente, a força materialista da montagem se impõe sobre o idealismo de seus desígnios.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.