Descrição de chapéu jornalismo

Nunca estive tão frustrado na minha vida como hoje, diz Steven Spielberg

Crédito: Niko Tavernise/20th Century Fox via AP) This image released by 20th Century Fox shows actress Meryl Streep, from left, director Steven Spielberg, and actor Tom Hanks on the set of "The Post." Spielberg?s newspaper drama has been named the year?s best film by the National Board of Review, which also lavished its top acting honors on the film?s stars, Streep and Hanks.
Spielberg com Meryl Streep e Tom Hanks no set de "The Post"

RODRIGO SALEM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Pessoas comuns, quando frustradas, desabafam com textões no Facebook, tiradas raivosas no Twitter ou gritos em mesas de bares. Steven Spielberg faz um filme.

O diretor, 71, está tão frustrado com os novos rumos da política americana que, pela primeira vez na carreira, encurtou a produção de um filme mais pop ("Jogador Nº 1", previsto para março) para rodar um longa mais sério, "The Post: A Guerra Secreta".

Indicado ao Oscar de melhor filme, o drama trata dos eventos reais que levaram a publisher Katharine Graham (Meryl Streep, também indicada a melhor atriz) e o editor Ben Bradlee (Tom Hanks), do "The Washington Post", à publicação de documentos secretos do Pentágono, em 1971.

Spielberg conduz um thriller sobre jornalismo, liberdade de expressão e censura governamental, temas que podem facilmente ser trazidos para o presente, como explica o cineasta a seguir.

Pergunta - O sr. abreviou as filmagens de "Jogador Nº 1" para fazer "The Post" em sete meses. Algo muito rápido, até mesmo para Spielberg.

Steven Spielberg - Sem dúvida. Foram as filmagens mais rápidas da minha carreira. A primeira razão foi o roteiro ser muito bom e falar de algo que me fascina. Como você define liderança? Ali estava Katharine Graham, líder e publisher do "The Washington Post" e, mesmo assim, os homens no seu conselho editorial olhavam através dela, como se fosse invisível. Que marca isso deixa numa mulher assim, como ela superou as adversidades? Foi isso que me atraiu, antes de qualquer analogia política entre 1971 e 2017. Ao mesmo tempo, nunca senti motivação tão grande. Fiz "The Post" porque acho que é meu modo de "tuitar" (risos).

O momento político dos Estados Unidos foi um despertar?

Sim. Sentia que era uma história ótima sobre uma grande mulher, um homem incrível e um período da história que poucas pessoas conhecem. O escândalo do Watergate não existiria sem a publicação dos Papéis do Pentágono, porque Graham ganhou mais coragem, assim como Bradlee, que também ficou mais sábio para permitir que [Bob] Woodward e [Carl] Bernstein [repórteres do " Washington Post"] seguissem a trilha do dinheiro até [o presidente, Richard] Nixon. Acho que, se os dois não tivessem arriscado serem presos e perderem o jornal com a publicação dos Papéis do Pentágono, não teriam tido a determinação para perseguir Nixon.

O sr. se lembra da publicação dos Papéis do Pentágono?

Lembro da época, mas não lembro deles especificamente. Recordo mais do escândalo de Watergate, porque levou à renúncia de Nixon. Na época, tudo que passava na minha cabeça era dirigir programas de TV e criar meu primeiro filme de cinema. Então não prestei nenhuma atenção no mundo em 1971. Não lia jornais e não via os noticiários. Apenas ia ao cinema e escrevia roteiros. Só acordei quando pessoas que conheci na faculdade começaram a morrer no Vietnã e quando a história sobre Watergate foi publicada. Passei a dar mais atenção ao meu redor.

Qual é a importância de fazer um filme sobre a liberdade de imprensa hoje em dia?

Nunca houve uma cortina de fumaça de desinformação tão forte na história. É algo que se coloca entre o público e a imprensa. A criação de palavras icônicas como "fatos alternativos" ou "fake news", nunca vi isso antes. A história de Nixon tentar impedir o "Washington Post" de publicar os documentos, algo garantido pela Constituição, apresenta profunda similaridades com o que está acontecendo hoje.

Como está se sentindo como cidadão americano?

Nunca estive tão frustrado na minha vida. Frustrado com a inabilidade de parte deste país de escutar e com a habilidade de falar, mas sem ser ouvido, de outra parte. Não há diálogo mais. Sempre tivemos um Congresso dividido. Mas nunca vi um entrincheiramento tão vil e dogmático. E nunca vi tamanha raiva na política. Não consigo encontrar o que seria uma maneira de começar um diálogo. Nunca vi tamanho entrave e não vejo nenhuma luz no fim do túnel.

O filme está sendo visto como partidário. A própria ideia de a imprensa buscar a verdade é considerada partidária.

A imprensa livre luta pela verdade. Para mim, isso é um fato, e não uma percepção partidária. Há um sistema sujo rotulando tudo aquilo em que não acredita de "falso" ou "partidário". Esperava esse tipo de acusação. Ficaria decepcionado se não viesse.

"The Post" também é sobre feminismo. Como pessoas boas sobrevivem em uma indústria que se revela tão abusiva?

Hollywood está no epicentro de uma epidemia real para as mulheres em todas as ocupações. Elas estão dando um passo à frente, falando sobre o que sofreram e carregaram todos esses anos. Graças a Deus estão enfim podendo falar abertamente. Mas isso não é apenas uma história de Hollywood, é algo que acontece nos jornais, nos esportes, faculdades, fábricas, fazendas. Nunca houve um momento essencial como esse. Acho que nossos filhos olharão para 2017 como o ano em que o silêncio foi quebrado.

Ficou surpreso com a enorme quantidade de casos?

Deveria ter ficado, mas não. Essas coisas estiveram na nossa visão periférica por anos. Chegou a hora de uma revolução no melhor sentido do termo. É preciso haver um código de ética e conduta que não se limite aos departamentos de recursos humanos.

É diferente fazer um filme como "O Parque dos Dinossauros" e "The Post"? Qual o verdadeiro Spielberg?

Não sei. Deixo isso para minha mulher e meus filhos. Ou para meu público, que geralmente tem uma opinião sobre quem sou (risos). Sou o resultado direto de um roteiro, que determina tudo que faço em um filme. Não crio longas do nada e não peço para atores improvisarem. Acredito em um conceito forte, em um propósito, em uma narrativa muito boa. O roteiro é a raiz.

Você encontrou as pessoas reais retratadas em "The Post" em algum momento da vida?

Ben Bradlee foi meu vizinho por 15 anos e conheci sua mulher e filhos. Conheci Katharine Graham em 1998 e almoçamos. Os filhos e netos dela nos ajudaram a coletar as informações para contar a história da maneira correta. Foi tudo muito rápido. Estive com Martin Baron, editor-executivo do "Washington Post", e Fred Ryan, o atual publisher.

O que Bradlee lhe disse de melhor sobre jornalismo?

A gente não falava disso. Quando eu perguntava sobre Nixon e o "Post", ele dizia: "Vá ver o filme ['Todos os Homens do Presidente'! (risos). Tudo mudou quando ele viu "O Resgate do Soldado Ryan", em 1998. Ele gostou tanto que começou a me falar de suas experiências na guerra, algo que nunca tinha feito antes. Ele serviu na informação da Marinha no sul do Pacífico e comandava centenas de pessoas. Foi onde aprendeu o equilíbrio entre inspiração e disciplina, vital para liderança.

Por que o sr. diz que a insegurança é sua maior fonte?

Não sei explicar, mas, se estou muito confiante, não tenho muitas ideias. Quando estou fazendo um filme há um medo e um frio na barriga que me fazem acordar cedo e ir para as filmagens funcionando melhor. Sempre foi assim.

Qual foi sua insegurança no caso de "The Post"?

A vontade de fazer direito. Nunca havia trabalhado com Meryl Streep antes, nunca vira Tom [Hanks] e Meryl juntos. Além disso, é uma história de peso. É sobre uma Presidência determinada a arrasar jornais e impedir nossos direitos à Primeira Emenda [que garante liberdade de expressão].

O que mais o assusta hoje?

A Coreia do Norte. E algum confronto entre os países que levaria a algo que não consigo nem mencionar. As outras mudanças na sociedade só me dão coragem e esperança.

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