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Crítica alemã vê mitificação em 'Marighella': 'crença intocada na luta armada'

Tagesspiegel aponta falta de autocrítica, e TAZ diz que filme ignora contradições e quer criar monumento a Carlos Marighella

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Der Tagesspiegel – Carlos Marighella, o bom terrorista, 15/02/2019

A luta revolucionária, como conceito, sofreu muito nos últimos anos. Não só por causa do colapso do império soviético, antes disso o comunismo já havia dado cabo de todos os revolucionários.

As ilhas da resistência ficaram cada vez menores: Cuba, Vietnã. No fim, alguns países isolados do mundo árabe.

Só na América Latina e —depois da eleição do populista de direita Jair Bolsonaro para presidente— em especial no Brasil, a crença na pertinência da luta armada parece intocada.

Um nome sempre a simbolizou: Carlos Marighella, precursor intelectual do conceito de guerrilha urbana.

O herói de Wagner Moura é uma figura trágica. Por mais convincente que ele pareça ser no seu sentimento de injustiça —e a junta militar que tomou o poder em 1964 lhe dá motivos suficientes para isso— nenhum caminho conduz da violência para a benevolência das massas.

A não ser que se esteja morto e transformado em lenda. E é exatamente essa mitificação que o filme Marighella pretende.

Moura potencializa a imagem de outsider nobre com o fato de seu protagonista ser o único negro do elenco, e isso apesar de Carlos Marighella, com suas raízes indígenas e africanas, não exatamente se diferenciar de seus compatriotas pela cor da pele. Ele era um mestiço, como 38% dos brasileiros.

Apresentá-lo como negro —e transformá-lo em alvo com uma frase como "matar um negro significa matar um vermelho"— é sair do conflito político e transformá-lo num conflito racista. E de uma maneira que todos assim o percebem.

Para a rede de televisão pública alemã RBB, filme é "Epopeia cansativa" (16.fev)

"Não somos terroristas", grita Marighella aos reféns de um assalto a banco. "Somos revolucionários!"

Declarações como essa há um pouco demais no filme. O herói tende a monólogos impulsivos e discussões que, apesar da determinação com que são feitas, soam estranhamente sem vida.

Dúvida e ambiguidades não estão previstas em Marighella. Isso vale também, é claro, para o protagonista e seus aliados —e sobretudo para o grande antagonista, o investigador Lúcio.

Para o jornal berlinense TAZ, "A guerrilha sempre tem razão" (15.fev)

Wagner Moura quer, inconfundivelmente, criar um monumento para Marighella. E Marighella certamente foi uma personalidade carismática. Só que a carência de domínio e um distanciamento em relação a material histórico e pessoal levaram a uma epopeia.

Este filme não conhece contradições, por exemplo, não tematiza as teorias imperialistas e capitalistas unidimensionais da esquerda de então. Ele prefere sobretudo desabonar a direita.

O sistema de segurança brasileiro de então, de fato em parte fascista, é extensivamente exibido na figura do agente assassino Lúcio, e a reconstrução de cenas de tortura ultrapassa os limites do cinematograficamente suportável.

A violência institucional obtusa e de fato existente não precisa ser exibida de forma tão naturalista e duradoura como foi feito neste filme.

A estética de "Marighella" de Wagner Moura é assim involuntariamente reveladora. Ela revela sobretudo um corte significativo na mentalidade do populismo de esquerda na América Latina e como este, hoje, ajeita a história a seu gosto.

Penetrante e grotesca é a representação da influência do governo americano nos acontecimentos na América Latina. Até hoje ela serve ao populismo de esquerda local como desculpa para o próprio fracasso.

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