Jair Rodrigues, que faria 80 anos, é lembrado em shows e documentários inéditos

Expoente da MPB, artista pode ter acervo pessoal transformado em exposição; Folha publica vídeo inédito do cantor em ficção

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São Paulo

Energia e sorriso eram as marcas de Jair Rodrigues (1939-2014) na lembrança dos filhos, os cantores Luciana Mello e Jair Oliveira, e a alegria deve marcar o “Tributo a Jair Rodrigues” nesta terça (5) e quarta (6), em São Paulo.

Com o show, os irmãos dão início ao que deve ser um ano de celebrações em torno do legado do cantor, incluindo dois documentários inéditos.

“A gente conta uma história por meio das músicas”, diz Luciana, 40, sobre o repertório de sucessos como “Disparada”, “Casa de Bamba”, “A Majestade, o Sabiá” e “Deixa Isso pra Lá”, uma das primeiras músicas faladas e que fez ele ser chamado de “pai do rap”.

 

Na noite desta quarta (6), quando faria 80 anos, Jairzão será lembrado também em uma miniexposição no foyer do teatro, com alguns itens marcantes de sua carreira.

É um recorte de um acervo maior sob a guarda da viúva Clodine Mello, 66, que pode ser exposto em breve.

Entre os itens há imagens inéditas, como retratos ao lado de Elis Regina (1945-1982), com quem o cantor apresentou de 1965 a 1967 “O Fino da Bossa”, na TV Record.

Também estarão lá uma caixa de engraxate, uma das primeiras profissões do cantor, e a queixada —instrumento de percussão feito de parte da mandíbula do burro— usada em “Disparada” no Festival de MPB de 1966, que rendeu a ele o primeiro lugar (dividido com “A Banda”, nas vozes de Chico Buarque e Nara Leão).

Jair Oliveira, o Jairzinho, 43, também vê em “Disparada” um marco que deixou heranças além das metafísicas —o músico ainda usa em gravações o violão que o pai ganhou como prêmio no festival.
“Jairzão se postou como um soldado; isso trouxe força e ao mesmo tempo uma leveza que o fizeram passar pela censura e representam bem o que foram a vida e a carreira dele.”

Além dos sucessos, diz Jairzinho, o repertório dos shows incluirá músicas “que têm representatividade para a família, como ‘Deus Salvador’ (1982), a primeira gravação minha, e ‘O Filho do Seu Menino’ (1984), a primeira da minha irmã”.

Os ingressos estão quase esgotados, mas os irmãos Luciana e Jairzinho devem repetir a dose. “A gente pretende fazer esse show para o resto da vida. Incensar gente importante para os antigos e as novas gerações é importante para nós, artistas, principalmente quando é nosso pai”, diz Luciana.

Além dos espetáculos, dois documentários que podem sair em 2019 vão jogar luz sobre a trajetória do cantor, que ascendeu “praticamente de dentro do canavial” no interior paulista, como define o diretor Alexandre Sorriso, para o posto de estrela da MPB.

Sorriso dirige o documentário “Jairzão”. A ideia, ele diz, nasceu do anseio de Luciana, sua amiga, por ir além do cantor e focar o pai, o avô, o amigo. “É a vida dele vista pelos olhos da família, em particular os filhos em busca das raízes.”

Para o produtor-executivo da Santa Rita Filmes, Marcelo Braga, a obra —que deve sair no fim do ano em parceria com um canal de TV paga— visa incitar bons valores.

“O Jair trazia uma alegria que está nos faltando. Um homem que tinha a palavra como mais importante que uma assinatura num papel. A saudade vai guiar as lembranças.”

Braga testemunhou essa força ao vivo, tendo conhecido Jairzão em vida, ao contrário de Sorriso, que o conheceu “muitas vezes chorando, mas de rir” nas histórias de amigos.

Surpreendem o diretor as conexões emocionais que o artista estabelecia com amigos, colegas ou desconhecidos.

“O que a gente sente é profundo respeito artístico e envolvimento emocional. O Gilberto Gil frequentava a casa da mãe do Jair. Não vou dar mais spoiler, mas a ideia é que as pessoas sintam que podiam ter sido amigas dele.”

Não será difícil, a se considerar a lembrança do cineasta e roteirista Rubens Rewald.

“Um dia, fomos ao Rio e almoçamos a duas quadras do hotel. Na volta, mais de 30 pessoas pararam para falar com ele. Sem exagero. Ele atendeu a todas, e o afeto era tamanho que eu perguntava se ele já as conhecia; era uma festa.”

Rewald dirigiu Jair na ficção “Super Nada” (2012), empreitada então quase inédita do cantor que lhe rendeu láureas como o prêmio especial do júri no Festival do Rio de 2012.

O diretor forneceu à Folha um material extra do filme, que acabou não entrando no corte final, no qual o cantor encarna seu personagem; veja a seguir.

​“Em ‘Super Nada’ conheci a incrível generosidade de um cara já consagrado que se dispõe a fazer um filme independente, de baixo orçamento, interpretando um velho palhaço decadente e alcoólatra.”

Agora, ele prepara seu documentário sobre o artista, chamado “Deixe que Digam”.

Diretor e ator novato fixaram amizade; no dia do evento que marcou o lançamento do DVD, lembra Rewald, o cantor lhe disse: “Sabe, Rubens, acho que está na hora de fazer o filme do Jair. Vamos nessa?”. 

“Topei na hora”, conta Rewald, “mas após um mês ele faleceu. Aquela coisa sem aviso...”, diz, citando a morte do cantor em 2014, aos 75, após um ataque cardíaco na sauna de casa, na Granja Viana.

O projeto foi retomado com o reforço de Jairzinho, que fará as vezes do pai narrando passagens da vida; as locuções serão gravadas neste mês, e o show desta quarta (6) será filmado.

“A ideia é resgatar a virtuosidade em um filme musical; ele é lembrado pela alegria, mas foi um cantor excepcional.”

Serão abordados episódios icônicos, como os troféus Roquette Pinto, o até então prestigiado prêmio para artistas de rádio e TV, as parcerias com nomes como Elis e pontos altos dos quase 50 discos.

Já a tentativa de explorar outras facetas, diz Rewald, mostrou-se infrutífera: Jair parecia imune à tristeza. “A gente até tenta buscar o obscuro, mas é difícil. Era a alegria transbordante, a utopia existencial.”

Questionado se rever a trajetória do pai alimenta ou aplaca as saudades, o filho Jairzinho reforça a ideia. “Saudades, como filho, sempre sentirei, mas a coisa triste eu sinceramente não tenho. Meu pai sempre preservou e transmitiu sentimentos bonitos. Dá orgulho.”

Tributo a Jair Rodrigues - Jair Oliveira e Luciana Mello

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