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'O Corpo Encantado das Ruas' é esperança em tempos de cólera

Livro foi obra de não ficção mais vendida da editora Record na última Bienal do Livro do Rio de Janeiro

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O Corpo Encantado das Ruas

  • Preço R$ 29,66 (112 págs.)
  • Autoria Luiz Antônio Simas
  • Editora Civilização Brasileira

A literatura brasileira das últimas décadas parece cheia de autores que têm medo de sair na rua. De cruzar a cidade. Andar de transporte público. Beber em botecos. Conversar com gente da mesma cor de Machado de Assis. Passar à noite por encruzilhadas.

Encruzilhadas são esperanças, e parece haver uma em “O Corpo Encantado das Ruas”, do escritor e historiador carioca Luiz Antônio Simas. O livro foi a obra de não ficção mais vendida da editora Record na última Bienal do Livro do Rio de Janeiro —estado que, neste ano, mais registrou ataques a templos de religiões de matriz africana.

Encruzilhadas são possibilidades que se abrem, geralmente, em reação à barbárie que desumaniza corpos —o nosso e o das ruas. Dentro das páginas do livro está o que mais aflige as forças colonizadoras: cultura afro-brasileira, cultura indígena e o cotidiano das ruas do subúrbio, essa região/conceito que resiste
 às imposições do “mercado”.

O historiador e escritor Luiz Antonio Simas - Zo Guimaraes/Folhapress

“O Corpo Encantado das Ruas” é, declaradamente, tanto uma obra parceira do “Einbahnstraße”, coletânea de ensaios com que Walter Benjamin, no início do século 20, pretendeu criar uma filosofia a partir da observação das ruas das cidades, quanto do clássico “A Alma Encantadora das Ruas”, de João do Rio, que celebra as ruas como o único espaço onde há reflexo e reflexão.

A capa imita a embalagem na qual são distribuídos, em homenagem a São Cosme e São Damião, doces à crianças, nos subúrbios das cidades. Dentro, 42 pequenos ensaios em prosa de raro sabor. São frases como “É a miudeza da vela que desvela a aldeia” ou “Garrincha driblou e foi driblado pela dor do mundo.”

Em tempos de cólera, pessimismo e letargia são características pequeno-burguesas. Os subúrbios, acostumados porque forjados na ira do mundo, reagem. Aconteceu antes, décadas atrás, com Nova York, Paris e Berlim. Agora é aqui. Luiz Antônio Simas é suburbano e carioca. “Carioca mesmo é quem não vai à praia”, disse Cartola quando perguntado sobre o sol e o sal. Faz uma década que Simas não vai a uma. Seu negócio é a rua.

No livro, aprendemos que, se ouvíssemos as ruas, saberíamos que no período da mudança de Império para República, a elite chamava os pobres de “a classe perigosa”. Que as pombagiras, entidades que representam a autonomia feminina sobre o poder do corpo, já eram piadas associadas ao o estereótipo da mulher descontrolada.

Ibêjis, Aluvaiá, quimbundo, quicongo, dindinha, farofa e fuzuê são palavras retiradas do livro que são deliciosas de falar em voz alta. É nossa ancestralidade matando a saudade delas, palavras feitas por nós, sob medida para nós. Mas experimente dizê-las em voz alta. O Brasil é um país disfuncional porque se pode tranquilamente gritar em público, na rua, as palavras “cupcake”, “reforma da Previdência” e “mindset”. 

“O Corpo Encantado das Ruas” tem sumido das prateleiras com a mesma rapidez de sacos de Cosme e Damião no meio de crianças. De fato, estamos ainda na primeira infância quando o assunto é o Brasil que vem sendo invisibilizado para ser eliminado. Mas, nos ensina este pequeno livro, no fim do túnel há uma encruzilhada.

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