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Ensaio 'Massa e Poder', de 1960, é aplicável a fenômenos que só surgiriam depois

Força de ensaio de Elias Canetti sobre as massas reside em sua não filiação acadêmica

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Massa e Poder

  • Preço R$ 59,90 (624 págs.)
  • Autor Elias Canetti. Trad.: Sergio Tellaroli
  • Editora Companhia de Bolso

Em julho de 1927, militantes da social-democracia austríaca incendiaram o Palácio da Justiça de Viena, em protesto por um processo que acreditavam viciado. A polícia interveio e matou 89 pessoas.

O escritor e ensaísta Elias Canetti, que ganharia em 1981 o Prêmio Nobel de Literatura, morava na cidade como estudante e se surpreendeu com o episódio.

A massa era bem mais que a soma dos atributos dos indivíduos que a compunham. As primeiras anotações de Canetti desencadearam "Massa e Poder", ensaio extenso e de imensa erudição, publicado em 1960.

A força conceitual de um grande ensaio está em sua relativa atemporalidade. É aplicável a fenômenos que surgiriam só nas décadas seguintes. É o que acontece com a ideia de "descarga", que ocorre no momento em que indivíduos se desvencilham de suas diferenças e passam a agir de forma coordenada, no ataque uníssono ao adversário comum.

O escritor búlgaro Elias Canetti - Reprodução

Eis a configuração, sem tirar nem pôr, das "bolhas" criadas nas redes sociais. Seguem formatações existentes nas torcidas de futebol, nos simpatizantes de partido político que saem em passeata, debaixo dos mesmos cartazes e palavras de ordem.

Mas Canetti é bem mais que um precursor das redes sociais. Circunscrevê-lo a esse estatuto empobreceria a originalidade de seu trajeto.

Ao discorrer sobre as massas, ele não se apega à psicologia social —Sigmund Freud não está entre os 233 autores citados na bibliografia— e não tem a pretensão de construir uma teoria que disputaria espaço
acadêmico com outras teorias existentes. Canetti é um livre atirador, e está nisso sua surpreendente riqueza.

Ele não presta contas de metodologia ao discorrer sobre a prática da guerra na tribo equatoriana dos jivaros, sobre a psicologia do comer, sobre a execução de sobreviventes de tropas do sultão de Déli, sobre a crença e a fome entre os xosas, grupo étnico sul-africano. Os exemplos históricos são polvilhados de modo saboroso e aleatório.

Da mesma forma, "Massa e Poder" em nenhum momento se apresenta como um manual para que nos defendamos de Hitler, Stálin ou de outros ditadores que manipularam multidões.

Não se trata de uma vacina a serviço das massas, a exemplo da produzida por Sergei Tchakhotine, sociólogo alemão de origem russa.

O modelo de Canetti é menos barulhento, gradativo. A massa, diz, procura sua própria expansão. Ela precisa do movimento numa determinada direção, que mantenha seus integrantes coesos.

As massas têm movimento rápido quando suas metas estão localizadas a certa proximidade (massas esportivas, beligerantes), ou o movimento pode ser lento, como o dos peregrinos movidos pela religiosidade.

Alguém escreveu que Canetti produziu um texto apropriado aos leitores de outros planetas. E por isso ele não polemiza. Não se empolga com valores éticos. É justamente onde reside sua imensa energia de ensaísta.

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