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12/12/2010 - 09h03

Ator conta como voltou aos palcos após ter perna amputada

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LUCAS NEVES
DE SÃO PAULO

Depoimento do ator Carlos Meceni, 45, que estava em cartaz com a peça "Com Quem Fica o Coração", no ano passado, quando aconteceu o episódio que levou à amputação de parte de sua perna direita. Ele voltou a cena em março numa cadeira de rodas e, hoje, usa uma prótese.

"Descobri que queria ser ator aos seis anos. Morava numa fazenda. Minha mãe, que fazia roupas para a classe alta, tinha se casado com um fazendeiro. Achou que, no mato, em Duas Barras (RJ), eu não teria uma boa educação. Vim morar em São Paulo na casa da irmã dela, que me criou.

Minha mãe, tadinha, ficou dividida entre o amor dela, que era meu pai, e o fruto desse amor, que era eu. Ia e vinha para lá e para cá. Vivia aflita. Teve um AVC.

Cheguei com seis anos. Minha prima me levou para ver um grupo italiano de teatro de bonecos. Pirei. Depois, fomos ao cinema.

Vi pessoas chorando no filme e entendi que aquilo era bom de fazer. Compreendi que eu chorava como aquelas pessoas tentando negociar a minha sobrevivência. Se quero um sorvete e não consigo, choro. Pensei então: 'Sei fazer esse troço'.

Com 12 anos, era office-boy e estudava à noite. A professora de português quis montar um teatrinho na escola. Fui fazer parte do grupo e aí enlouqueci. Senti uma sensação incrível de alegria e tentei reproduzir isso a minha vida inteira."

Lenise Pinheiro/Folhapress
Carlos Meceni na peça "Com Quem Fica o Coração"
O ator Carlos Meceni, que voltou aos palcos após ter parte da perna direita amputada, em cena de "Com Quem Fica o Coração"

ARENA

"Aos 17, escrevi um texto chamado 'A Ditadura', sobre uma negra sem dinheiro. Levei para o Gianfrancesco Guarnieri ler no Arena. Ele foi muito generoso, conversou comigo por horas, me dando uma aula de dramaturgia e política. Vi a minha insensatez e a minha falta de conhecimento. Ele me convidou a frequentar o teatro.

Logo aprendi todas as falas de 'Arena Conta Zumbi', porque ia todo dia. O espetáculo foi excursionar no exterior, mas resolveram manter uma montagem local para o teatro não ficar parado. Entrei no elenco e fiz a peça por anos. Depois, fiz o 'Arena Conta Tiradentes'.

Estudava pedagogia à noite. Saía da faculdade às 20h35 e tinha de estar no Arena às 21h. Os professores me davam força, aplicavam prova em dia especial."

PRÊMIOS

"Em 1977, comecei a montar o infantil 'A Praça de Retalhos'. Foi a peça com que passei a existir no teatro. Ganhei todos os prêmios.

Quando recebi o [prêmio] Molière pela segunda vez, em 1979, pus na minha frente a estatueta e pensei: "P* merda! Ganhei e não tenho como pagar minha conta de luz. Mas vou fazer valer essa história". Decidi parar de dar aula de artes em escolas e me dedicar só ao teatro. Daí vieram TV e cinema.

Em televisão, atuei em quadros de Natal no 'Jornal Nacional' e do Henfil dentro do 'TV Mulher'. Nunca fiz nada de importância nacional, mas sempre participei de coisas nacionalmente importantes. Participei de 'Páginas da Vida', 'Passione', 'A Diarista', 'O Rei do Gado'.

Trabalhei até agora em 28 filmes. O primeiro foi '16060' (1995), do Vinicius Mainardi. Fazia o bandido do filme, né, com esta cara! Passou no festival de Veneza e foi muito bem recebido.

Algumas matérias me citaram como ator a ser observado. Beto Brant viu e me chamou para participar de 'Ação entre Amigos'."

ACIDENTE

"Um dia, vi uma senhora com o carro quebrado, parado no meio da rua. Perguntei se ela queria que eu empurrasse até a calçada. Fui empurrar, fiz força, e o carro caiu em uma depressão do asfalto. Quando saiu, ehhhhhh!!!, senti como se fosse uma pedrada na perna. Um vaso na altura da panturrilha tinha estourado.

Não conseguia mais pisar no chão. No hospital, disseram que não era nada. O rapaz do pronto-socorro pegou uns anti-inflamatórios lá dentro e me deu. Fui para casa. A dor não passava.

No dia seguinte, tive a gravação de um telecurso. Aceleraram para que eu terminasse logo. Fui para outro hospital. Me sentaram numa salinha, e o doutor falou: 'Cara, não tem jeito. Você está dez horas atrasado. Vai ter de amputar'.

Naquele momento, o mundo... a palavra é 'fodeu'.

Entendi que tinha de me entregar, não criar tensão nenhuma, colaborar. Só tinha um pedido: que fosse amputada abaixo do joelho, perto do pé. Fiquei 21 dias sem poder me mexer, tomando muito anticoagulante. Fiz cinco cirurgias. Dei sorte: o joelho foi preservado.

Não tive revolta em nenhum momento. Quando me olho tomando banho e vejo só um pé, não é algo que me choque. Tenho de ser o melhor com aquilo me sobrou.

Já perdi em outras épocas o cabelo, alguns dentes, já tive de fazer cirurgia nos rins por causa de cálculo. Me perguntaram: 'Mas e o sexo?' Não cortaram o pau, cortaram a perna! Sabe no que mexeu? Na vaidade. Melhorei."

 

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