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Bienal do Mercosul manda artistas e curadores aos pampas
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SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Num almoço numa antiga fazenda de charque em Pelotas, interior gaúcho, José Roca deu os primeiros passos na tentativa um tanto ambiciosa de reinventar a cartografia das artes visuais, pelo menos enquanto durar a próxima Bienal do Mercosul.
Roca é o colombiano à frente da oitava edição da mostra, que começa em setembro com a pretensão de subverter a geografia batida das grandes exposições.
No lugar de Veneza, São Paulo ou Kassel, na Alemanha, ele quer drenar Caxias do Sul, Pelotas, Novo Hamburgo e outros destinos sulistas de seu potencial criativo para balizar essa mostra.
"Uma bienal não é um óvni que cai do céu, é algo que se constrói", diz o curador. "Vamos entender o território do Rio Grande do Sul como algo a ser descoberto. O projeto está determinado a criar infraestruturas locais."
E esse não é um território qualquer. Porto Alegre, onde acontece a mostra, é o miolo de um entroncamento de nações. Parece ser a capital de uma terra que se desprende do Brasil tropical, uma paragem fria, que se estende de Assunção a Montevidéu, passando por Buenos Aires.
São cidades afins no plano cultural, mas que, na falta de um elo mais sólido, estão alinhavadas nesse contexto por um acordo comercial que já foi mais coeso, o Mercosul.
"Sempre me pareceu estranho que uma bienal tivesse o nome de um tratado de livre comércio", diz Roca. "Hoje, multinacionais têm mais poder e dinheiro que alguns Estados, quero entender a nova noção de nação."
Dessa busca, Roca extraiu também outra ideia de geopolítica. Sua proposta para essa Bienal do Mercosul parece juntar os dois eixos, a natureza econômica e diplomática de um bloco de nações atrelada a laços culturais e geográficos da região.
Divulgação | ||
A obra "En Ninguna Otra Parte", do artista chileno Eugenio Dittborn, que será homenageado na Bienal do Mercosul |
Está na raiz disso tudo a ideia de "estética do frio", conceito definido em livro e defendido em palestras mundo afora pelo cantor e compositor gaúcho Vitor Ramil.
"Precisamos de uma estética do frio", escreveu Ramil. "Havia uma estética que parecia mesmo unificar os brasileiros, uma estética para que nós, do extremo sul, contribuíamos minimamente."
Roca enxerga então a paisagem do pampa, a milonga e a cultura da carne como eixo definidor dessa estética que passa ao largo do tríptico calor, selva e samba que parece definir o resto do país.
Juntos, Roca e assistentes já visitaram 20 cidades na região em busca dessa cara gelada para a mostra. Encontraram artistas empenhados em transformar antigas tecelagens em ateliê, fábricas desativadas e resquícios de tradições alternativas ao circuito central das artes visuais.
Um dos planos da Bienal do Mercosul, aliás, é pôr artistas convidados na mesma estrada. Eles vão percorrer velhas rotas do gado, dos cânions, das missões jesuíticas.
Seus relatos de viagem e experimentos que fizerem no caminho serão mostrados antes, durante e depois da Bienal nos pontos visitados e também no cais à beira do Guaíba, em Porto Alegre.
Na cidade, intervenções também devem destacar pontos esquecidos da malha urbana. "Não vamos ter uma escultura ou instalação, mas uma obra que tenha a ver com outros sentidos, o som, o cheiro, a temperatura", diz Roca. "A ideia é que o espaço seja a coisa mais importante, e não a obra que está ali."
Uma exposição paralela, organizada por Aracy Amaral para a Bienal do Mercosul, deve complementar a mostra, reunindo paisagens feitas por artistas gaúchos e objetos da cartografia local.
Ouça comentários do repórter sobre a mostra
CAVALO DE TROIA
Também faz parte da proposta a escolha do chileno Eugenio Dittborn como artista homenageado desta edição. Suas pinturas postais, obras que viajam por correio driblando barreiras políticas e alfandegárias, estarão juntas no Santander Cultural.
"É uma carta quando está viajando e uma pintura quando está desdobrada", diz Roca. "Essa pintura é como um cavalo de Troia, chega de improviso, escondida, conquista o lugar e depois vira carta para seguir viagem."
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