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Depois de 20 anos no rap, Criolo lança primeiro álbum de canções
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MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO
Ele vive, atua e cria no plano da inconsciência. E ninguém que se proíba tirar os pés do chão da vida real será capaz de entrar em contato com a melhor parte do que ele faz, do que tem a dizer.
É isso que repetem os amigos de Kleber Gomes, 35 --o Criolo. E não é preciso mais do que uma conversa de 15 minutos com ele para também concordar. Ou menos: basta ouvir sua música.
Figura influente no universo hip-hop há mais de 20 anos (assinava Criolo Doido), ele lança agora "Nó na Orelha", primeiro trabalho que dedica ao gênero "canção".
"A construção das músicas funciona da mesma forma: as letras têm que dar uma sarrafada na cabeça de quem ouve", diz. "Uma música pode derrubar uma nação. E levantar outra."
Produzido por Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, o álbum é feito dessas sarrafadas certeiras. Em cada uma delas, Criolo se expõe absurdamente. Transborda. Quem está conectado vai junto.
"Nunca vi um show do cara em que alguém não saísse chorando, completamente tomado por ele", diz Ganja.
Criolo faz canções --transitando entre o samba, o soul, o reggae e o brega-- há mais de dez anos. E sua ideia inicial era não colocar nenhum rap no disco. Mas os produtores não deixaram.
"A gente falou que ele tinha que fazer justamente essa interseção, porque a força do passado dele no rap é absurda", diz Ganja. "Era muito importante para que as pessoas entendessem quem era ele, de onde ele veio."
Eduardo Knapp/Folhapress | ||
O rapper Kleber Gomes, mais conhecido como Criolo, que lança "Nó na Orelha", o seu primeiro álbum de canções |
CAFÉ FILOSÓFICO
Ele veio da periferia de São Paulo. Nasceu em Santo Amaro, mas passou toda a infância e adolescência no Grajaú, onde vive até hoje.
O pai era metalúrgico. A mãe, a benzedeira do bairro.
Quando foi matricular o filho no segundo grau, ela pediu: "Será que posso me matricular também?" Cursaram na mesma turma, mãe e filho, os três anos escolares.
"Aí é que acontece a mágica da vida: enxergar a pessoa sem o personagem mãe", diz Criolo. "E você vê o quanto essa pessoa escolheu dar alguns punhados de anos e dedicação a você, danadinho. É deslumbrante."
Ouça trecho de "Não Existe Amor em SP":
Conta que a mãe foi muito além dele nos estudos. Formou-se em filosofia, com pós-graduação em línguas, literatura e semiótica. Recentemente, ela implantou um café filosófico no Grajaú.
Ele abandonou, para nunca mais voltar, as faculdades de artes e pedagogia. Corria atrás do dinheiro, como vendedor nas Lojas Americanas, nas lojas de calçados DIC ou na rua, vendendo cocada e roupas de porta em porta.
A carreira de MC começou quando ainda era uma criança de 12 anos. Chegou a lançar um álbum de rap --que, num presságio do que viria, já tinha uma canção.
E, mais importante que tudo isso, foi um dos criadores (junto com DJ Dan Dan) das Rinhas de MC's, batalha periódica em que os mestres de cerimônias rimam de improviso, o chamado "freestyle".
Antes de pensar em gravar "Nó na Orelha", Criolo já havia dado por encerrada sua carreira de MC. "Tipo semancol, sabe? Ciclos se abrem e se fecham e a gente tem que se dar conta disso", diz, com voz doce e olhos molhados.
Quase chora algumas vezes. Sorri quando comenta que algumas composições suas estarão em próximos discos alheios: da cantora Marcia Castro, do produtor Gui Amabis (cantada por Céu), do coletivo 3 na Massa.
Os limites já não existem.
"Quando você conhece só a pracinha, vai só até a pracinha. Mas quando descobre o cinema, cara, é uma loucura. Não dá mais pra voltar. Você já virou outra pessoa."
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