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Blogueiro responde ao colunista Contardo Calligaris
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DE SÃO PAULO
Citado pelo psicanalista e colunista da Folha Contardo Calligaris no texto "Grandeza das 'futilidades'", o leitor Gabriel de Barcelos escreveu resposta, que a Folha.com publica abaixo.
*
Mas nós não ouvimos
"Uma prática comum do mau jornalismo, amplamente difundido pelo mundo, é fazer uma pergunta já direcionando a resposta que pretende ouvir. Na verdade há pouco interesse em conhecer, aprender, descobrir. Muito pelo contrário, a grande mídia e sua série de regras caretas e cristalizadas pretende apenas confirmar uma tese que já sai pronta da redação. Foi exatamente o que fez a âncora Fiona Armstrong, da emissora inglesa BBC. Ao entrevistar o escritor Darcus Howe, durante os protestos acontecidos em Londres no início de agosto, ela perguntou:
Você está chocado com o que viu na última noite?
A resposta vem:
'Não, não estou. Vivo em Londres há 50 anos e vi muitos momentos diferentes. O que eu sei, ouvindo meus filhos e meu neto é que alguma coisa muito, muito séria estava para acontecer neste país. Os nossos líderes políticos não tinham ideia, a polícia não tinha ideia. Mas, se você olhar os jovens negros e os jovens brancos e prestar atenção no que eles estão nos dizendo Mas nós não ouvimos o que está acontecendo neste país, com eles, não'
Não satisfeita, a âncora insiste, interrompendo o entrevistado
'Sr. Howe, se eu puder interromper você por um momento, você está dizendo que não está chocado nem que não condena o que aconteceu em sua comunidade ontem à noite?'
O escritor continua firme em sua posição:
'Claro que não. Por que eu condenaria? O que me preocupa acima de tudo é que havia um jovem chamado Mark Duggan, que tinha uma casa, irmãos, irmãs e a poucos metros de casa um policial estourou a cabeça dele, estourou a cabeça dele'
Logo depois ele relata casos de repressão policial acontecidos na sua família, como seu neto, descrito como um anjo, mas constantemente revistado. Quando a jornalista afirma que isso
'não é motivo para sair promovendo tumultos e quebrando tudo como vimos nos últimos dias', ele rebate:
'Eu não chamo isso de tumulto, eu chamo isso de insurreição popular. Está acontecendo na Síria, está acontecendo em Clapton, está acontecendo em Liverpool, está acontecendo em Port-of-Spain, em Trinidad e esta é a natureza desse momento histórico.'
O articulista da Folha de S.Paulo Contardo Calligaris, por outro lado, faz uma análise bem diferente dos acontecimentos. No dia 1º/9, ele escreveu o texto "Saques, arrastões e 'resssentiment'. Também comentando os acontecimentos de Londres, chama atenção para os saques ocorridos em lojas de produtos eletrônicos e roupas de marca. Para Calligaris, os jovens não podem ser condenados por não desejarem produtos de 'primeira necessidade'. Na nossa época, para o articulista, 'as futilidades são, no mínimo, tão relevantes e tão necessárias quanto era o pão em 1789' [Revolução Francesa].
Veja o que ele argumenta: ''Quem somos' depende de como conduzimos nossa vida e (indissociavelmente) de como ela é avaliada pelos outros. Para obter o reconhecimento de nossos semelhantes (sem o qual não somos nada), os objetos que nos circundam ajudam mais do que a barriga cheia; eles têm uma função parecida com a dos paramentos das antigas castas: declaram e mostram nosso status -se somos antenados, pop, fashion, sem noção, ricos, pobres ou emergentes, cultos ou iletrados'.
Calligaris fala coisas pertinentes e está claro, para mim, que o consumo possui hoje uma indiscutível influência social e identitária. Mas, por algum motivo, ele resolveu ignorar os motivos das manifestações, como os altos índices de desemprego e o assassinato de um jovem negro pela Polícia, em Tottenham. Ao ler o seu texto, imaginamos que toda a ação se baseia na vontade de ter alguns bens de consumo. Para ele não há necessidade de historicizar o assunto, observar o contexto social, mas apenas usar a situação para uma reflexão sobre a contemporaneidade, onde existiriam outras motivações e esvaziamento político.
Ao ler esses absurdos, escrevi algumas críticas via Twitter, que foram respondidas na coluna do dia 8 de setembro. Calligaris escreve:
'Alguns leitores entenderam que eu desaprovava a revolta pela futilidade de seus motivos, um pouco como Luiz Felipe Pondé ao apresentar a turba como um recém-nascido MSI, Movimento dos sem iPad (na Folha de 22 de agosto).
Os mesmos leitores atribuíram aos manifestantes uma motivação 'mais nobre'. Por exemplo, @blogsessao, no Twitter, afirmou que os jovens não arriscariam suas vidas por bugiganga: eles deviam estar protestando contra desemprego, violência policial etc. --coisas mais sérias.
Pois bem, contrariamente a @blogsessao, acho que os jovens queriam mesmo os objetos que roubaram. E, contrariamente a Pondé (e também a @blogsessao), acho que os objetos que eles roubaram não têm nada de fútil: na modernidade, as aparências e os objetos de consumo são atributos constitutivos da subjetividade e da liberdade.'
Primeiramente, gostaria de esclarecer algo importante, pois acho que foram distorcidas minhas palavras: não pretendo fazer qualquer juízo de valor, afirmando se é mais ou menos 'nobre', mais ou menos 'fútil' saquear um iPad. O que eu contesto é outra coisa. Para mim, Calligaris desenvolve uma retórica baseada em premissas falsas. Óbvio que o jovem saqueador realmente quer aquilo. Mas me parece um tanto absurdo considerar o objeto vendido nas lojas como bandeira de uma insurreição deste tamanho. É o mesmo que tratar esse fato histórico como uma vontade incontrolável de queimar carros. Estamos falando de algo muito mais complexo.
É impossível saber o que pensa toda a juventude, quais são seus sonhos, suas vontades e o que pensa da sociedade. Mas é possível saber, sim, e seria bem mais satisfatório estar no texto, a história dos acontecimentos. Quem sabe tentar ouvir pessoas como Darcus Howe? Tentar compreender a partir da cronologia das ações? Pensar mais em motivações claras e objetivas do que em palpites abstratos? Mas, como afirmou o escritor nascido em Trinidad, não quisemos ouvir, não tivemos vontade de entender o que os jovens diziam, da mesma forma que muitos se recusam a compreender o que está ocorrendo.
Se nas periferias do mundo os jovens, em especial os negros, sofrem diariamente a repressão policial, torturas e assassinatos; se a crise do capitalismo tem gerado cada vez mais problemas sociais, desemprego e miséria; se a Inglaterra cortou verbas sociais não importa! É mais fácil resumir tudo numa fome de smartphones, ou um belo texto comparando roupas e castas do passado à posse de bugigangas atuais. Ou apenas condenar os 'tumultos', tentando colocar palavras na boca de quem participou das ações, como fez a jornalista da BBC.
Acho bem mais plausível ver as semelhanças desse protesto com outros, como os de Los Angeles, em1992, quando a Justiça absolveu os policiais torturadores do taxista negro Rodney King, gerando um ódio coletivo e um saldo de 58 mortos e 2.800 feridos. Ou o caso de Paris, onde as manifestações ocorreram em 2005 como reação à morte de três jovens eletrocutados ao fugir da polícia.
Desejo, firmemente, que escutemos o alerta de Howe. Parar de ficarmos surdos e cegos ao que acontece, ao chamamento desses jovens que estão nas ruas de todo o mundo e 'à natureza do momento histórico' (como chama a atenção o escritor de Trinidad). Vamos tentar ouvir algumas pessoas que podem, de maneira muito significativa, nos fazer entender para onde caminha esse bonde."
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