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15/03/2012 - 10h18

Carbon Trust, uma empresa do lado dos mocinhos

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JO MOULDS
DO "GUARDIAN"

Quando se conversa sobre a Carbon Trust com pessoas que trabalham no setor ambiental, algumas reagem com indignação.

"Eles são mestres em produzir muitas apresentações em PowerPoint, mas isso por acaso é fazer bom uso de dinheiro público?", pergunta-se um desses indignados. Mesmo críticos mais moderados manifestam espanto diante dos montantes de dinheiro público que a organização já gastou com publicidade na televisão.

Quando se procuram declarações dadas "on the record" a conversa já é outra, na medida em que a Carbon Trust detém poder considerável nos mercados ambientais. "Me dê um exemplo e eu ficarei feliz em comentá-lo", diz o executivo-chefe da instituição, Tom Delay.

Não surpreende que o grupo tenha seus críticos. Criado em 2001 para usar recursos levantados com impostos verdes para ajudar empresas a reduzir suas emissões de carbono, ele não pôde ser classificado de "quango" (termo usado no Reino Unido para definir uma "organização não governamental quase autônoma", que recebe verbas do governo, enquanto o governo nomeia seus líderes), já que seu conselho de direção não foi nomeado pelo governo, mas é uma organização privada sem fins lucrativos e que recebe verbas substanciais do governo.

Ao longo de dez anos, a organização gastou --ou "investiu", como Delay prefere dizer-- mais de 700 milhões de libras esterlinas de dinheiro público, ajudando empresas a aumentar sua eficiência energética, fomentando novas empresas de tecnologia limpa e promovendo a conscientização com anúncios de TV.

Os ambientalistas desconfiam de sua imagem corporativa sofisticada. O próprio Delay fez carreira na Shell.

Com um escritório elegante no coração do centro financeira de Londres e elegantes consultores de gestão a seu serviço, a Carbon Trust sempre pareceu um pouco próxima demais do mundo corporativo para poder cobrar responsabilidade dele.

Críticos apontam para o padrão Carbon Trust, usado por empresas para alardear suas credenciais verdes, mas que exige que as emissões de gases sejam reduzidas em apenas 0,1% ao ano. Perguntado sobre isso, Delay conta como ajudou com o esforço LiveAid durante o período de fome na Etiópia nos anos 1980.

Ele conta que a Shell tinha bom acesso aos portos africanos; logo, podia providenciar navios-tanques para reabastecer os aviões que levavam alimentos emergenciais. "Tive que jogar charme em cima do capitão para que me deixasse literalmente amarrar um caminhão-tanque ao convés de um navio de carga da Shell."

O que ele quer provar é que as empresas sempre querem fazer a coisa certa. "Acho que o posicionamento da Carbon Trust encerra uma linha divisória sutil entre incentivar pessoas a fazer a coisa certa versus criticá-las por não fazer a coisa certa", diz Delay.

As empresas que ostentam o Padrão Carbon Trust tendem a superar substancialmente o alvo de 0,1%. Entre as mais de 750 empresas que conseguiram o certificado, a média de redução de emissões tem sido de 3% ao ano.

(Só para constar: o "Guardian" reduziu suas emissões em 27% no ano passado.)

Delay se sentiria à vontade se uma empresa que tivesse reduzido suas emissões em apenas 0,1% ostentasse o logotipo do Padrão Carbon Trust em suas vitrines? "Talvez eu me sentisse mal com isso. Provavelmente não a impediria de fazê-lo, porque é preciso ser coerente, é preciso ser justo."

Por que não elevar o padrão? Delay diz que seria difícil demais explicar isso a conselhos de diretores e dificultaria a conquista da adesão de grandes empresas. Assim, ao invés de forçar as companhias a reduzir suas emissões em determinada porcentagem, o padrão possibilita que elas "embarquem nessa trajetória de maneira muito pública. O avanço delas passa a ser noticiado. Se elas deixarem de seguir o padrão, isso ficará muito óbvio."

Não é totalmente verdade. Quase 10% das empresas que conquistam o padrão em um ano não chegam a ser certificadas novamente no ano seguinte. Observadores atentos podem notar quando uma empresa discretamente deixa de ostentar o logotipo, mas não há registro publicamente disponível. Também se questiona se a Carbon Trust deveria conceder certificados a empresas para as quais presta consultoria.

DO LADO DOS BONS

Delay responde que a certificação da Carbon Trust e seu trabalho de consultoria são feitos por duas entidades legais distintas e que a firma de certificação foi aprovada pelo Serviço de Credenciamento do Reino Unido, "o que significa que a cerca em torno dela é à prova de balas. Devo dizer que, no caso de alguns exemplos dignos de nota, as empresas não se dão ao trabalho de separar as duas coisas tão bem quanto nós", ele prossegue, mas não revela quais seriam essas empresas.

"Eu nunca denunciaria um concorrente porque acho que não há motivo para isso, mas acho que nós, a Carbon Trust, estamos do lado dos bons, com certeza absoluta."

Fica claro que Delay, 52, tem prazer em ser um dos mocinhos; ele fala, brincando, que trabalha no setor ambiental "para me redimir de meus pecados".

Na verdade ele sente muito orgulho dos 16 anos que passou trabalhando para a Shell, especialmente do período que passou na África. "Todos os dias eu me sentia trabalhando para a comunidade local, para o país no qual eu estava empregado."

Como funcionário de empresa petrolífera na região subsaariana, ele ocasionalmente se descobriu cercado por insatisfação popular. "Já estive do lado errado de uma [metralhadora] AK-47 mais vezes do que você poderia imaginar. Acho que isso ajuda a manter as coisas em perspectiva. Até certo ponto, eu penso realmente que, se ninguém vai ser morto hoje, está tudo bem." Tendo mulher e filhos pequenos, essa situação não poderia durar para sempre, e Delay voltou para Londres.

Ele passou os cinco anos seguintes trabalhando numa consultoria de administração. "Não sei por quê." Quando se recorda disso, faz uma careta. "Trabalhei para a McKinsey e a AT Kearney, e foi ótimo. Foi um ótimo aprendizado, aprendi muito, mas não foi meu período mais feliz no trabalho."

Mas foi essa experiência que o levou a conseguir o trabalho de seus sonhos. Na época existia uma espécie de porta giratória entre a McKinsey e o governo, com figuras seniores se deslocando nas duas direções entre altos cargos em uma ou outra. Embora Delay não tenha sido nomeado pelo governo, a Carbon Trust foi vista como exemplo do pendor de Tony Blair por governar através de consultorias administrativas.

Um observador sugere: "Na prática, ele atuou como chefe do departamento de mudanças climáticas do governo, até o governo criar esse departamento." Quando isso foi feito, o financiamento da Carbon Trust com verbas públicas passou a correr risco cada vez maior.

Em 2010 a entidade pareceu ter sobrevivido à fogueira das "quangos", mas no ano passado a coalizão governante reduziu seu financiamento em 40%. Mais tarde, sem alarde, anunciou que a partir de então a entidade teria que concorrer em licitações para quaisquer trabalhos futuros.

O fluxo abundante de verbas foi fechado, e Delay foi obrigado a administrar a transformação mais complicada de sua carreira, incluindo a fase em que foi consultor administrativo.

"Fui bastante intransigente. Acho que nunca aconselhei ninguém a fazer nada em tão pouco tempo quanto fomos obrigados a fazer aqui." Delay deixa transparecer, por um instante, o ar de um homem que não está mais sob o poder do governo.

"Quando uma empresa empreende mudanças, ela tem muita consciência do valor daquilo que possui. Já no caso de ministros do governo, francamente, eles não reconhecem o valor da mesma maneira. Veja o caso do serviço nacional de saúde. O NHS possui valor imenso. Não dá para não pensar que a insistência em mudar é um pouco inepta."

A Carbon Trust reduziu sua força de trabalho de 220 profissionais para 150, buscou instalações mais modestas e enxugou suas operações. Ainda é uma organização sem fins lucrativos, sendo quaisquer lucros auferidos com suas atividades comerciais reinvestidos "na missão", mas agora seus projetos precisam se sustentar. "Havia algumas coisas que só podiam funcionar com verbas e apoio do governo. Esses programas nós perdemos", diz Delay, sem se alterar.

IN SITU

Um serviço que se perdeu foi o que oferecia avaliações "in situ" a pequenas e médias empresas para identificar onde poderiam melhorar sua eficiência energética. A organização buscou parceiros comerciais para manter outros serviços. Delay cita um fundo de 550 milhões de libras lançado com a Siemens para oferecer empréstimos a companhias para que invistam em eficiência energética.

Mas os termos dos serviços mudaram, como não poderia deixar de acontecer. Ao invés de empréstimos sem juros, avalizados pelo governo, a Siemens Financial Services empresta o dinheiro a juros comerciais. O objetivo é que os juros sejam cobertos pelas economias feitas nas contas energéticas, mas não há garantia disso, fato que suscita a fúria de varejistas.

"Independentes se enfurecem quando Carbon Trust deixa de conceder empréstimos gratuitos", dizia uma manchete na "Grocer", citando um gerente da Budgens ao qual foi oferecido um empréstimo a juros de 9,7% para instalar portas novas em seus frigoríficos.

Delay diz que esse é um dos maiores desafios da perda de apoio governamental. "Muitas pessoas que conhecemos no passado quando éramos uma organização paga com verbas públicas dirão 'ótimo, tudo isto é de graça, tenho direito a isto'. Mas é claro que agora não podemos oferecer a mesma coisa."

TECNOLOGIA LIMPA

A Carbon Trust também se prepara para anunciar um acordo com a GE para o desenvolvimento de um fundo de investimentos em empresas de tecnologia limpa de estágio inicial na Europa. Ela já tinha feito algo semelhante com o governo, mas também nesse quesito as regras mudaram.

"Tudo o que fizemos no passado foi bom e deu às empresas um ótimo retorno sobre o que investiram", diz Delay. "Mas não era comercialmente viável, porque assumíamos muitos riscos numa fase inicial. Agora temos que pegar esse portfólio e o converter em um portfólio que seja viável."

Isso suscitou receios de que a Carbon Trust se torne simplesmente mais uma investidora, levando alguns a questionar seu papel em um mercado com muito dinheiro que busca oportunidades no setor das tecnologias limpas.

Delay diz que a instituição não tem interesse em atuar em mercados que já estejam bem servidos de investidores. "Como organização sem fins lucrativos, nosso trabalho consiste em ter uma missão, e essa missão é acelerar a mudança para uma economia de baixo carbono. Não poderemos fazer isso se tentarmos expulsar pessoas do mercado. Não faz sentido."

Um de seus concorrentes discorda: "A Carbon Trust conta com uma vantagem que se deve a seus vínculos estreitos com o governo, e essa vantagem distorce o mercado de muitas coisas --no espaço para investimentos, sem dúvida alguma".

Um exemplo marcante é o trabalho desenvolvido pela organização na China, onde ela opera uma joint venture com uma estatal. Criada em 2008 com verbas do Ministério britânico das Relações Exteriores, a joint venture introduz companhias britânicas de tecnologias limpas no lucrativo mercado chinês.

"Estamos abrindo canais dos quais, de outro modo, as empresas não se beneficiariam", diz Delay. "Se elas tivessem que passar pelo setor privado, isso limitaria seu acesso ao mercado chinês."

Agora que a organização é privada e está concorrendo por negócios, essa joint venture lhe confere uma vantagem enorme sobre outros investidores e consultorias interessados em fincar um pé na China.

"As empresas ficam muito satisfeitas por estarmos lá, procurando promover a causa delas na China", diz Delay, acrescentando que não tem conhecimento de queixas de outros investidores. "Se quiserem vir e investir algum dinheiro ao lado do nosso, eu sei que seriam muito bem recebidas."

Mas, se tentarem fazê-lo por conta própria, as empresas podem enfrentar dificuldades.

Tradução de CLARA ALLAIN.

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