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02/08/2012 - 14h00

Entre vigílias e o trauma no Colorado

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PAUL HARRIS
DO "OBSERVER", EM AURORA (COLORADO)

Eles eram jovens, em sua maioria. Um estava festejando seu aniversário na estreia do novo filme sobre Batman. Outra, em sua página no Facebook, descrevia-se como "garota simples e independente". Enquanto os EUA se conformavam com mais um massacre inexplicável, novos detalhes vieram à tona sobre as vítimas do atentado num cinema de Aurora, no Colorado, que deixou 12 mortos e 70 feridos.

Como seria previsível na plateia de uma das primeiras sessões do filme mais recente da série "Batman", muitos dos presentes eram jovens que acabavam de iniciar suas vidas adultas, cheios de esperanças e ambições.

Bob Pearson/Efe
Familiares de Micayla Medek choram durante funeral em Denver
Familiares de Micayla Medek choram durante funeral em Denver

Um deles era Alex Sullivan, barman, casado, morto a tiros no dia em que completava 27 anos. "Alex era inteligente, divertido e, sobretudo, muito amado por seus amigos e familiares", disse sua família em declaração à imprensa. Logo antes de sair para o cinema ele postou uma mensagem no Twitter. "Cara, falta uma hora para o filme, será o melhor ANIVERSÁRIO da minha vida." Ao invés disso, ele morreu no ataque apavorante.

Outra era Micayla Medek, 23, aluna de uma faculdade pública local. "Sou uma garota simples e independente que está tentando arrumar sua vida e se divertir ao mesmo tempo", ela escreveu em sua página no Facebook. Jessica Ghawi, 24, blogueira talentosa que escrevia sobre esportes, foi outra das vítimas. Os detalhes de sua morte vieram à tona através de seu irmão, Jordan, que escreveu no blog dele sobre as cenas de terror no interior do cinema e o momento em que sua irmã foi baleada.

Com tantas vítimas que tinham blogs, contas no Facebook ou no Twitter, essa transparência forma um contraste marcante com a vida de James Holmes, o jovem silencioso e sigiloso que invadiu o cinema vestido dos pés à cabeça em trajes pretos à prova de balas e começou a disparar indiscriminadamente contra a plateia. Não foi encontrado nenhum sinal de presença dele no Facebook, LinkedIn, Myspace, Twitter ou outras redes sociais. Holmes era um livro fechado.

Na noite do dia 21 de julho a polícia efetuou uma explosão controlada no apartamento de Holmes em Aurora. Uma fonte próxima do departamento antibombas disse que havia cerca de 30 bombas improvisadas, mais ou menos do tamanho de bolas de softball, espalhadas pela sala. Além disso, havia balas, pólvora e vidros contendo líquidos inflamáveis. "Isto é caseiro. É improvisado. Há um nível de sofisticação que estamos vendo aqui", disse a fonte.

Vários prédios vizinhos no bairro operário modesto, com imóveis alugados e casas em mau estado de conservação, foram desocupados após a descoberta do que pareciam ser bombas camufladas que seriam acionadas quando alguém tropeçasse nos fios de armadilha estendidos.

A administradora de um prédio a uma quadra de distância falou do alívio que sentiu por ter se negado a alugar um apartamento a Holmes em abril. Joanne Southard, 55, falou que Holmes era arrumado e bem vestido, mas que o fato de não retornar telefonemas nem atender ao telefone a deixou preocupada. "Graças a Deus eu tive um sexto sentido, senão ele poderia ter tentado montar essa coisa em um dos meus apartamentos", disse ela.

As referências apresentadas por Holmes eram boas. "Disseram que ele era tranquilo e parecia feliz", contou Southard. Ele tampouco tinha ficha na polícia, com a exceção de uma multa por excesso de velocidade. Ele parecia um inquilino potencial modelo. Mas Southard o recusou. "Sua aparência era agradável, de barba feita e cabelos curtos. Mas acho que algo parecia um pouco errado. Ele me passou uma impressão de ser pouco confiável. Então eu disse 'não'", ela contou.

HISTÓRICO

Seu relato veio à tona no momento em que começava a emergir um retrato mais detalhado de Holmes. O jovem de 24 anos era estudante de doutorado cuja família vem de um bairro de classe média de San Diego. Filho de uma enfermeira e um gerente de softwares, foi um aluno brilhante de ciências.

Na primavera de 2010 formou-se com honras na Universidade da Califórnia em Riverside, com diploma em neurociências. No ano passado, depois de se esforçar para encontrar trabalho, matriculou-se no programa de doutorado em neurociências da Universidade do Colorado em Denver, mas estava em processo de deixar a universidade este ano --não se sabe por que razão. Talvez as motivações do ato dele se encontrem ali.

Holmes, que muitos já descreveram como tímido e solitário, parece ter passado pela vida deixando muito poucos rastros. Até agora, no sábado retrasado.

O presidente Barack Obama dedicou seu discurso semanal no rádio ao atentado. "Com certeza muitos de vocês que são pais tiveram a mesma reação que eu quando ouviram a notícia: e se tivessem sido minhas filhas naquele cinema, fazendo o que jovens curtem fazer todos os dias?", ele disse. "Michelle e eu teremos a sorte de poder abraçar nossas filhas um pouco mais forte neste fim de semana, como estou certo que vocês farão com seus filhos."

Mas essas emoções familiares disfarçam a ferocidade da batalha política que provavelmente vai irromper em torno da questão das armas de fogo na vida americana. O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, frequentemente aventado como possível candidato independente à Presidência, desafiou tanto Obama quanto o rival político deste, o republicano Mitt Romney, a se posicionarem.

Reuters
Holmes em foto divulgada pela polícia do Colorado; ele recebeu 142 acusações criminais
Holmes em foto divulgada pela polícia do Colorado; ele recebeu 142 acusações criminais

"Palavras tranquilizadoras são agradáveis, mas talvez esteja na hora de as duas pessoas que querem ser presidente dos Estados Unidos nos dizerem diretamente o que vão fazer sobre isso", ele falou num programa de rádio. Muitos já chamaram a atenção para o fato de as quatro armas e 6.000 balas que Holmes teria em sua posse terem sido compradas legalmente.

Mas, enquanto muitos comentaristas na mídia, a Associação Nacional de Rifles e os ativistas antiarmas mergulharam na briga, não se prevê que esta chegue até os escalões mais altos da política americana. É pouco provável que Romney se manifeste em relação às leis sobre armas de qualquer maneira que Bloomberg aprecie.

Embora Romney, assim como Obama, tenha cancelado sua presença em eventos da campanha na sexta-feira, quando a notícia do massacre percorreu o país e o mundo, dificilmente ele assumirá uma postura contra as armas. A liberdade de portar armas de fogo é uma causa cara a muitos conservadores, especialmente num partido dinamizado por sua base direitista do Tea Party.

"Esperamos que o responsável por este crime terrível seja levado a julgamento o mais rápido possível", disse Romney. Ele evitou mencionar qualquer fator político envolvido no incidente. Obama fez o mesmo.

Até mesmo o prefeito de Denver, Michael Hancock, que faz parte de um grupo que combate às armas ilegais, recusou-se a falar sobre o assunto. Poucos políticos parecem dispostos a entrar na briga que Bloomberg propôs. O discurso de mais de dois minutos de Obama conteve apenas votos e menções às vítimas, além de reflexões generalizadas sobre a natureza do mal.

A palavra "arma" não foi mencionada uma única vez, e Obama não fez nenhuma promessa de intensificar os regulamentos sobre armas de fogo. "Talvez nunca entendamos o que leva uma pessoa a aterrorizar outros seres humanos. Um mal desse tipo é destituído de sentido --está além da razão", disse ele.

Enquanto o massacre, como tantos outros anteriores, provoca mais exames de consciência sobre as leis relativas às armas de fogo, a cidade onde ocorreu precisa aprender a lidar com a tragédia. Aurora é um subúrbio sonolento que se estende ao leste de Denver, cobrindo uma antiga pradaria.

Hoje é um lugar dividido entre pessoas que tiveram sorte e outras que tiveram azar. É uma cidade onde a simples decisão de ir ou não ir a uma sessão da meia-noite de um filme mudou vidas para sempre.

SORTE E AZAR

Brooke Singer foi uma das pessoas de sorte. A atriz de 22 anos deveria ir ao cinema Century 16 após um ensaio de um musical. Mas o ensaio foi cancelado, e ela ficou em casa. Seis amigas delas não o fizeram. Estavam na sala ao lado daquela que Holmes atacou. Mesmo assim, viram as balas furar as paredes e estavam no meio da multidão ensanguentada e em pânico que fugiu do arsenal de armas potentes de James Holmes. "Era para eu estar lá", contou Singer. "É uma decisão que você toma e que decide tudo."

Marcus Weaver não teve a mesma sorte. Para ele, não houve ato de sorte ou mudança de planos de última hora. Estava sentado com sua amiga Rebecca a algumas fileiras da frente do cinema. Foi baleado. Falando com sua camiseta ensanguentada ainda nas mãos, Weaver descreveu o cinema lotado de pessoas que aguardavam o início do filme ansiosamente.

"Era um clima instigante", contou. O público estava barulhento, fazendo brincadeiras. Quinze ou 20 minutos após o início do filme, Weaver viu algo "zunir" pelo cinema escuro. A coisa explodiu, e então os disparos começaram. "Havia um homem no canto. Dava para enxergar sua silhueta bem. Era como o dia 4 de julho", ele contou. Weaver, que tem 41 anos e é gerente de uma loja, descreveu como se abaixou para proteger sua amiga Rebecca e descobriu que ela estava coberta de sangue.

Ele conseguiu carregá-la por alguns metros, mas então, em meio à multidão em pânico que tentava fugir, decidiu correr para pedir ajuda. "Ele estava recarregando, e eu ouvia os gritos de crianças. Não consegui tirar esse som da minha cabeça hoje", ele disse.

Com o braço direito numa tipoia, Weaver puxou as mangas da camiseta para cima, mostrando dois furos redondos onde balas do revólver de Holmes o atingiram. Ainda não sabia se Rebecca tinha escapado com vida.

Esse sentimento de descrença foi uma das emoções mais vistas em Aurora enquanto seus habitantes digeriam a ideia de que novamente essa região, palco do massacre da escola Columbine, em 1999, se tornaria sinônimo de uma chacina. Apesar de fazer parte dos subúrbios de Denver, Aurora tem o clima de uma cidade de interior.

Quase todo o mundo parece conhecer alguém que estava no cinema. Nate Rice, 21, trabalha em uma loja da Starbucks. Uma de suas colegas de trabalho recebeu um telefonema sobre sua irmã, que tinha estado no cinema. "É uma coisa insana", ele disse, contando que desabou em choro várias vezes durante aquele dia.

Ted S. Warren/Associated Press
Amanda Medek, irmã de Micayla Medek, vai a funeral segurando retrato nas mãos
Amanda Medek, irmã de Micayla Medek, vai a funeral segurando retrato nas mãos

Mais tarde, foi até o cordão de isolamento estendido pela polícia em volta do teatro, para deixar algumas flores sob um cartaz que dizia simplesmente: "Eles se foram, mas não serão esquecidos".

O filho de Tom Mauser, Daniel, foi morto pelos matadores de Columbine. Hoje Mauser é um cristão engajado e defensor do controle de armas. Ele foi a Aurora participar de uma vigília de orações realizada num pequeno morro atrás do cinema. A 500 metros de distância do lugar onde James Holmes criou caos, Mauser exortou um grupo de 300 moradores locais a buscar ajuda ou procurar oferecer ajuda às vítimas.

"O simples fato de ter estado naquele cinema é um trauma. Procurem essas pessoas e digam a elas que vocês estão orando por elas", ele recomendou. A vigília teve orações e pessoas segurando velas ao alto. Muitas choravam e se davam as mãos. Em dado momento, um pastor pediu que as pessoas abraçassem umas às outras, e a multidão virou uma massa de abraços.

O reverendo Acen Phillips, líder de uma igreja vizinha, disse aos presentes que sua neta estava no cinema. Estava lá com sete amigas, uma das quais recebeu um tiro na perna. "A violência precisa parar", disse ele.

Para muitas pessoas em Aurora, lutando para conformar-se com o tipo de tragédia sem sentido que desafia a lógica ou qualquer explicação, tal reação pareceu inteiramente compreensível.

Mary Millens, 43, trabalha no aeroporto local e foi à vigília em busca de conforto emocional. Mas foi difícil. "Isso me ajudou um pouco", ela comentou. "Mas ninguém entende o que aconteceu. Ninguém tem as respostas."

Tradução de CLARA ALLAIN.

 

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