Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
18/09/2012 - 15h00

Portugueses fogem da austeridade e buscam novo eldorado em Angola

Publicidade

DAVID SMITH
DO "GUARDIAN", EM LUANDA

No terraço de um dos elegantes restaurantes à beira-mar de Luanda, quatro portugueses desfrutam de uma tarde de charutos e bebidas. É sábado, e eles estão aproveitando a companhia da elite local nascente. "Os angolanos têm dinheiro, e precisamos dele", pondera José Luis Sousa, 47, que se mudou para Angola quatro anos atrás e é sócio em uma gráfica. "Eles estão comprando coisas em Portugal e no resto do mundo. As pessoas não gostam disso em Portugal, mas os angolanos têm dinheiro e nós não".

Os quatro estão entre as dezenas de milhares de portugueses que emigraram para Angola nos últimos anos. Já o capital flui na direção oposta; angolanos milionários estão aproveitando a crise para adquirir propriedades em Portugal. Depois de cinco séculos de colonialismo, e de uma era em que milhares de angolanos fugiram para Portugal, os papéis se inverteram. "Talvez um dia Portugal venha a ser colônia de Angola", brinca Sousa.

Marcelo Pliger/Folha Imagem
Luanda, capital de Angola, é vista a partir da fortaleza de São Miguel
Luanda, capital de Angola, é vista a partir da fortaleza de São Miguel

A equação econômica é simples: Portugal está passando por sua pior recessão desde os anos 70, com medidas de austeridade em vigor, o desemprego atingindo o recorde de 15% e projeções de uma contração econômica de 3% este ano. Os problemas são tão graves que um ministro português ofereceu um conselho controverso: "Se as pessoas estiverem desempregadas, deveriam sair de sua zona de conforto e talvez pensar em trabalhar além de nossas fronteiras".

É isso que os portugueses vêm fazendo em muitas das antigas colônias de seu país, como Angola, Brasil e Moçambique, cujas economias estão em situação inversa à de Portugal. Angola tem grandes reservas de petróleo e registrou crescimento médio de 15% entre 2002 e 2008 e, embora tenha perdido ímpeto, continua a registrar números que a zona do euro invejaria, e o crescimento deve se recuperar e voltar a entre 8% e 10% neste ano.

ATRAÇÃO

Angola é atraente para os portugueses devido aos elos culturais e de negócios --especialmente o idioma compartilhado-- criados antes que o país africano conquistasse a independência, em 1975. Em seguida veio uma guerra civil longa e devastadora, mas uma década de paz tornou muito mais desejável fazer parte da terceira maior economia da África subsaariana.

O número de portugueses que vivem em Angola disparou de 21 mil em 2003 a mais de 100 mil no ano passado, de acordo com números oficiais que provavelmente representam uma estimativa conservadora. Cerca de 38% das companhias estrangeiras registradas em Angola são portuguesas, de acordo com reportagens, bem adiante dos 18,8% de empresas chinesas registradas no país.

Luis Ribeiro abriu uma pizzaria em Luanda dois anos atrás. Usando uma camiseta com a palavra "Portugal" e a bandeira de seu país, ele comentou: "Fica claro que mais portugueses estão vindo para este país nos últimos anos não apenas devido à má situação financeira na Europa, mas porque Angola é uma das economias de mais rápido crescimento no mundo".

Elas estão se juntando a um influxo que inclui investidores chineses, brasileiros e, em menor grau, britânicos. "Sempre fomos uma das maiores comunidades estrangeiras aqui, mas os chineses estão nos ultrapassando aos poucos", prosseguiu Ribeiro, 52. "Os chineses são um povo muito persistente e estão preparados para realizar o trabalho mais estafante, aquele que os portugueses e angolanos preferem evitar".

Os portugueses estão explorando as oportunidades do setor de construção angolano, que registra forte crescimento; a paisagem da capital Luanda está tomada por guindastes, novos edifícios de escritórios e pelo domo ainda inacabado do novo Parlamento, construído pela Teixeira Duarte, uma companhia portuguesa. Também encontram empregos nos setores bancário e de tecnologia da informação.

"Não há humilhação em vir para cá", acrescentou Ribeiro. "O governo angolano só aceita pessoas com currículos decentes, e que buscam empregos formais. São principalmente profissionais de alto nível. O idioma ainda faz diferença. A comunicação é importante para quem tem um cargo de primeiro escalão e precisa se comunicar com trabalhadores no dia a dia. E é claro que existe uma compreensão cultural. Em 500 anos, deixamos nossa marca em tudo, até mesmo no gosto do povo por vinho, e a hostilidade quanto a nós há muito desapareceu".

Enquanto a Europa oscila de crise em crise financeira, os "leões" africanos oferecem uma via de escape. Um executivo de cadeia de suprimentos, Mario, 49, que só quis fornecer seu primeiro nome, disse que "Portugal não está na melhor situação economicamente e as pessoas estão com dificuldades para ganhar a vida. Angola é uma espécie de Eldorado".

Mas esse Eldorado requer sacrifícios. Angola tem um dos mais altos custos de vida do planeta: um hambúrguer pode custar R$ 90 e a entrada em uma casa noturna pode custar até o dobro desse valor. Há belas praias, mas pouca oferta de entretenimento ou comércio em comparação com a maioria das capitais europeias.

Dado o desemprego estimado em 26% entre os angolanos e as imensas desigualdades sociais do país, parece haver potencial de conflito entre os cidadãos locais e os trabalhadores imigrantes. Mario diz que "os angolanos com baixo nível de educação sentem alguma frustração. Não creio que estejamos sofrendo uma ressaca colonial; mas eles talvez sim. Angola sempre teve grande potencial para ser algo que Portugal não é. Trata-se de um país tão rico em tanta coisa --diamantes, petróleo, ouro, cobre. Se pudermos contribuir para o progresso do país, creio que isso seria positivo. Há uma coexistência pacífica aqui. Somos irmãos de sangue".

CONTRASTE

Carlos Araújo, 29, nasceu em Angola, se mudou para Portugal aos 10 anos e voltou ao seu país de origem três anos atrás. O engenheiro civil diz que "há tantos portugueses aqui agora quanto na época em que Angola era colônia. Não é uma situação embaraçosa; pelo contrário. É uma espécie de salvação. Graças a Deus que se trata de Angola e não de outro país africano. Os portugueses são bem recebidos aqui".

France Presse
Em Angola, Brasil testa papel de potência global
Em Angola, Brasil testa papel de potência global

O contraste na situação econômica dos países significa que, embora os cidadãos portugueses estejam invadindo Angola, o dinheiro flui na direção oposta. A elite angolana está comprando casas em Lisboa e investindo em companhias de energia e bancos de Portugal. Agora eles respondem por 4%, ou cerca de R$ 4 bilhões, do valor total das companhias cotadas na bolsa de valores portuguesa.

Quando o primeiro-ministro português Pedro Passos Coelho visitou Luanda no ano passado, o simbolismo ficou evidente. O presidente angolano José Eduardo dos Santos não aproveitou a oportunidade de tripudiar, e preferiu declarar que "estamos cientes das dificuldades que o povo português vem enfrentando recentemente, e em um período difícil assim é preciso usar os trunfos de que dispomos".

Entre os maiores investidores angolanos em Portugal está a estatal de petróleo e gás natural Sonangol, que tem participação no maior banco privado português, e Isabel dos Santos, filha mais velha do presidente. Santos é uma das mulheres mais ricas da África --a revista "Forbes" estimou sua fortuna em US$ 170 milhões (R$ 340 milhões)-- e tem participações em companhias portuguesas de energia, mídia e telecomunicações.

Mas os críticos dizem que porções da economia portuguesa estão sendo vendidas a preço de banana, e na prática a um regime autoritário e corrupto. Santos está há 33 anos na presidência e é o segundo mais antigo entre os líderes africanos no poder; há quem o descreva como ditador, e na semana passada conquistou mais uma vitória esmagadora em uma eleição criticada pela falta de transparência.

Marcolino Moco, antigo primeiro-ministro que agora se tornou inimigo de Santos, disse que "o regime está comprando bancos e outras coisas em Portugal, e ninguém na União Europeia reclama. Deveriam se perguntar de onde vem o dinheiro. São os filhos do presidente. Às vezes, quando vou a Portugal, pessoas, antigos parlamentares, me dizem que não devo me preocupar, que política é assim mesmo. E eu penso o contrário: o que os portugueses diriam se os filhos de um presidente assumissem o controle de um canal de TV?"

Havia poucas vozes portuguesas pedindo mudança na última eleição. A migração parece destinada a continuar. Mas Moco acrescentou que "quando os portugueses vêm para cá, melhoram sua situação mas não a do povo angolano. Por conta da espécie de regime que temos, isso não ajuda os angolanos jovens. Estamos vivendo sob uma ditadura. Talvez as pessoas de fora não percebam o fato muito bem".

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página