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18/10/2012 - 14h03

Fidel Castro e Hugo Chávez ajudam negociação entre a Colômbia e as Farc

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PETER BEAUMONT
DO "OBSERVER"

O líder cubano Fidel Castro e Hugo Chávez, o presidente venezuelano recentemente reeleito, desempenharam papel crucial em unir o governo colombiano e o mortífero grupo guerrilheiro Farc para negociações de paz que podem pôr fim a uma das mais longas guerras civis da América Latina.

De acordo com fontes estreitamente envolvidas com o processo de paz, que iniciou ontem em Hurdal, nas proximidades de Oslo, o momento crucial, depois de quatro anos de comunicação clandestina entre os dois lados, surgiu durante uma visita do presidente colombiano Juan Manuel Santos a Cuba, onde conversou com Castro e Chávez (o líder venezuelano estava em Cuba se tratando de um câncer).

A reunião foi a primeira de muitas realizadas em Havana entre as duas partes, facilitadas primordialmente por Cuba e a Noruega, com apoio da Venezuela, e o resultado foi o acordo quanto a uma agenda detalhada para a primeira rodada de negociações, esta semana. "Oficialmente, o presidente Santos foi a Cuba discutir a cúpula das Américas", disse uma fonte intimamente envolvida nas negociações de paz. "Mas o propósito real da viagem era discutir a iniciativa de paz".

As reuniões realizadas no começo do ano se seguiram à decisão de Santos, no ano passado, de reconhecer que existia um "conflito armado" em seu país, uma iniciativa encorajada por Chávez desde 2008. Os contatos aconteceram, igualmente, no momento em que as Farc anunciaram a suspensão dos sequestros, uma das cinco precondições que Santos havia imposto para as negociações, como um gesto de boa vontade.

As Farc e o governo estão em guerra desde 1964, e o grupo guerrilheiro vem sendo acusado de se envolver diretamente na produção de coca em áreas sob seu controle, uma questão que consta da agenda de paz.

Em um momento que vem sendo descrito como a melhor chance de trazer um fim negociado ao longo conflito, a delegação do governo colombiano se sentará à mesa de negociação com líderes das Farc; os mandados de prisão da Interpol contra eles foram suspensos para que viajassem à Noruega sem medo de detenção.

A delegação do governo incluirá pela primeira vez generais reformados que contam com a confiança das Forças Armadas, e representantes da elite empresarial colombiana, cuja presença, espera-se, ajudará na aceitação de um evento acordo de paz por aqueles que encaram o processo com hostilidade.

Depois do fracasso da primeira tentativa de negociações, 12 anos atrás, a agenda será encabeçada por questões de reforma agrária --a principal exigência das Farc--, acompanhadas por participação política, o desarmamento do grupo guerrilheiro e o problema das organizações paramilitares que agiram para torpedear qualquer acordo, no passado.

A revelação do papel chave que Cuba desempenhou na organização de apoio ao processo de paz marca a culminação de um longo período de comunicação clandestina iniciada pelo predecessor de Santos como presidente, Alvaro Uribe, a quem Santos servia como ministro da Defesa.

Ao longo dos últimos quatro anos, os contatos foram mantidos, a despeito da morte de Alfonso Cano, o líder das Farc, como resultado de uma operação do Exército no ano passado.

Outros participantes a quem é atribuído parte do crédito pelo início das negociações na Noruega são pessoas não identificadas que participaram do processo de paz da Irlanda do Norte.

MELHOR CHANCE

As negociações começaram em meio a alertas de ambos os lados, e também de observadores, no sentido de que existem ameaças sérias dos dois lados da divisa política colombiana, de parte de grupos que poderiam recorrer à violência para tirar o processo de paz dos trilhos.

A tentativa de chegar a uma paz negociada fracassou, mais de uma década atrás, porque as duas partes se acusaram mutuamente de alongar o processo com o objetivo de reconstruir suas forças; de acordo com observadores, o efetivo das forças paramilitares inimigas da Farc quase dobrou, durante as negociações.

Uma fonte no primeiro escalão do governo colombiano, que transmitiu informações ao "Observer" sob a condição de que seu nome não fosse mencionado, descreveu a chance de sucesso das novas negociações como a melhor até o momento, acrescentando que o governo Santos já havia adotado novas leis de reforma agrária e indenização a vítimas.

"O presidente Santos é pragmático. Já apresentou ao Congresso um anteprojeto de acordo. A Colômbia já está avançando na direção de uma fase pós-conflito, em certos aspectos, ainda que o conflito continue. É o momento certo. As Farc têm uma oportunidade histórica --talvez a última-- de encontrar uma solução digna para o conflito. De entrar para a história alegando que combateram pela justiça social. Para dizer que lutaram pela reforma agrária."

"Queremos 'Timochenko' (Rodrigo Londoño Echeverri, que assumiu o comando das Farc depois da morte de Cano em 2011) no Congresso da Colômbia, da mesma forma que vimos Gerry Adams eleito para a Assembleia da Irlanda do Norte", afirma a fonte.

Essa sensação de otimismo contido também é perceptível da parte de observadores externos, entre os quais Mark Chernick, acadêmico norte-americano que acompanha a história das negociações de paz colombianas e escreveu um livro a respeito. Falando da Colômbia, na sexta-feira, Chernick disse que "observei todas as negociações anteriores e já estive otimista no passado, mas desta vez acredito que exista seriedade real, de parte a parte; isso não existia antes".

"No passado, as Farc sempre solicitaram a criação de uma zona desmilitarizada como precondição, e desta vez não insistiram nisso. Quatro anos atrás, a organização começou a libertar prisioneiros, primeiro os civis e depois os militares, e em seguida renunciou aos sequestros", ele acrescentou.

"É evidente que desejam negociar. E continuaram à mesa durante o período de pré-negociação mesmo que três de seus líderes tenham sido mortos, entre os quais Cano", disse Chernick.

"Do lado do governo, Santos também está seguro do que deseja. Ele foi ministro de Defesa do presidente Uribe. Os dois conduziram a guerra da maneira mais dura que puderam, e mataram líderes inimigos. Mas ele terminou por reconhecer que o conflito não pode continuar indefinidamente. Por isso Santos chegou à conclusão de que a única saída é uma paz negociada", afirmou.

Chernick --bem como o funcionário de primeiro escalão do governo colombiano que falou anonimamente-- alertaram sobre o risco de violência durante as negociações de paz, de parte daqueles, especialmente à direita, que se opõem à paz com as Farc, acima de tudo os grupos paramilitares que, diz o estudioso, continuam ativos ainda que tenham sido oficialmente "debandados", e contam com o apoio de setores de elite da sociedade.

"O que mudou desta vez", diz Chernick, "é que ambos os lados aceitaram a ideia de que o objetivo final das negociações de paz deve ser o final do conflito".

BATALHA PERDIDA

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estão combatendo em uma guerra de guerrilha desde 1964. Formada por intelectuais marxistas-leninistas, a organização alegava representar os pobres contra a elite governante e o poder dos EUA sobre a Colômbia.

Por volta dos anos 90, a organização se havia tornado um dos exércitos guerrilheiros mais ricos do planeta, financiado via sequestro, drogas e minas ilegais de ouro. Em 2008, diversos líderes das Farc foram mortos, entre os quais Alfonso Cano, o que enfraqueceu o grupo, hoje liderado por Rodrigo Londoño, mais conhecido como Timochenko.

As Forças Armadas colombianas afirmam que o efetivo do grupo rebelde caiu dos 16 mil combatentes que tinha em 2001, quando controlava quase um terço do país, para cerca de 8.000 guerrilheiros em áreas rurais.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

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