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05/12/2012 - 15h00

Venda ilegal de 80 mil armas causou a queda de ex-policial britânico

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JAMIE DOWARD
DO "OBSERVER"

Para seus vizinhos em Newton-upon-Derwent, um vilarejo em Yorkshire, Gary Hyde, 43, era uma figura respeitável. Ex-policial, ele morava com a mulher e os dois filhos em uma casa atraente, perto de sua cidade natal. Os moradores locais o viam como baluarte de sua comunidade na região de East Riding. Nos anos 90, ganhou reputação por ajudar a deter um assalto a mão armada durante o qual uma espingarda foi apontada contra sua cabeça. Hyde foi condecorado pelas suas ações durante o episódio. Na época, ele disse que "foi aterrorizante - o pior momento da minha vida".

Mas a experiência não o impediu de tentar carreira como negociante de armas, com trajetória semelhante a de muitos outros "senhores das armas" britânicos que intermedeiam grandes embarques de armamentos sem jamais visitar os países instáveis cujos arsenais eles equipam a fim de verificar em primeira mão as consequências de suas ações.

Depois de deixar a escola, em 1985, Hyde encontrou emprego em uma loja local, York Guns, que vendia todo tipo de equipamento para esportes de campo e entusiastas do tiro. Quando assumiu a direção da loja, seu conhecimento de negócios era muito procurado. Hyde era considerado como especialista tão competente em leis internacionais de armas que, de acordo com documentos obtidos pelo "Observer", participou de briefings exclusivos no Instituto das Nações Unidas para a Pesquisa do Desarmamento. Obteve contratos do Ministério da Defesa britânico para recolher ao Reino Unido armas desativadas em zonas de combate, e do governo norte-americano para suprir as forças que combatiam Saddam Hussein no Iraque.

Mas como o Sr. Hyde de Robert Louis Stevenson, ele era um homem com dois lados muito distintos. E hoje ele será sentenciado em um tribunal de Southwark no qual foi considerado culpado de fornecer ilegalmente um grande embarque de armas chinesas à Nigéria, de acordo com a descrição da promotoria.

O embarque envolvia 80 mil armas, entre as quais fuzis de assalto AK-47 e pistolas automáticas Makarov, e 32 milhões de balas, uma transação que teria requerido 37 contêineres marítimos, cada qual com seis metros de comprimento. O pacote envolveu transações na Alemanha, China, Polônia e Dubai.

De acordo com documentos obtidos pelo "Observer", a transação de US$ 10 milhões com a Nigéria deveria propiciar a Hyde lucro superior a US$ 1 milhão, que ele pretendia ocultar em um fundo secreto de sua família em Liechtenstein, controlado por uma empresa sediada nas Ilhas Virgens Britânicas.

Ironicamente, a queda de Hyde foi causada por ele ter confiado indevidamente que a estruturação de suas transações longe do território britânico o manteria fora do alcance da Justiça do país. Ele protestou, quando de sua prisão. "Não creio estar envolvido em qualquer atividade no Reino Unido que requeira licença", disse.

Mas depois de uma busca em seu escritório e em sua casa, investigadores tributários britânicos obtiveram nos computadores de Hyde e-mails que confirmavam sua participação na transação. Registros de ligações de seus celulares mostravam que ele estava em solo britânico quando os arranjos para o embarque das armas foram feitos. Isso representou uma vitória importante para as autoridades porque significava que Hyde tinha necessidade de uma licença de controle britânica, ainda que as armas jamais tenham passado pelo território do país.

"A legislação britânica controla a transferência de armas e produtos militares de um terceiro país a outro", diz Elsphet Pringle, promotora pública britânica cuja especialidade são os processos por vendas ilegais de armas. "Ele não solicitou licença para isso junto às autoridades britânicas. E nesse caso específico não importa que as armas não estivessem sendo embarcadas do Reino Unido".

A detenção e condenação de Hyde, depois de uma investigação que durou cinco anos, foi uma vitória para a promotoria pública e as autoridades tributárias britânicas. "Foi um dos maiores casos que já encontrei em termos da quantidade de armas e munição envolvida", disse Pringle. "Também foi incomum por se tratar de uma transação única. Outros casos costumam envolver múltiplas transações com múltiplos clientes".

Documentos sugerem que não havia escassez de empresas dispostas a fornecer a Hyde embarques de AK-47s- de acordo com a Anistia Internacional a máquina de matar preferida, e menos regulamentada, do planeta; a organização estima que existam mais de 100 milhões desses fuzis de assalto em circulação. E que outras transações Hyde intermediou? No ano passado, Hyde havia sido detido por suposta importação ilegal de quase seis mil pentes para AK-47s nos Estados Unidos.

Cabogramas confidenciais da embaixada norte-americana em Londres revelam que em 2008 a York Guns tentou embarcar 130 mil AK-47s para a Líbia. Hyde agiu como intermediário na transação, a qual, de acordo com o texto das mensagens, "causou estranheza nos círculos diplomáticos, já que a Líbia só conta com 70 mil soldados em suas forças terrestres, e é improvável que estas utilizem uma arma obsoleta como o AK-47". A licença de exportação para essa transação foi negada por medo de que as armas fossem reexportadas para rebeldes no Chade e Sudão.

Em 2007, o "Observer" foi o primeiro veículo a chamar a atenção das autoridades britânicas para as atividades de Hyde, revelando que companhias nas quais ele tinha participação haviam vendido dezenas de milhares de armas a Ziad Cattan, ex-dono de pizzaria que se tornou chefe das compras militares do Iraque, sem contar com a devida licença para comércio de armas. Muitas das armas embarcadas para o Iraque desapareceram depois de entregues.

"Nunca conseguimos provar que as armas desaparecidas foram transferidas aos insurgentes, mas é provável que algumas tenham escapado ao controle, porque nos parecia que ninguém as estivesse monitorando e fiscalizando devidamente", disse Oliver Sprague, da Anistia Internacional. A organização já havia expressado preocupação quanto à York Guns um ano antes, depois que esta importou milhares de fuzis de assalto e metralhadoras da Bósnia por motivos que continuam obscuros.

O fato de que a comunidade internacional persiste em não chegar a acordo quanto a controles eficazes de armas significa que haverá muitos outros comerciantes como Hyde que poderão continuar intermediando grandes vendas de armamentos com impunidade. Mas Pringle acredita que o caso de Hyde deva servir de alerta aos comerciantes britânicos. "O número de comerciantes de armas no Reino Unido é bastante pequeno", ela diz. "Todos eles se conhecem. A condenação envia o sinal de que, sem a documentação correta, você será processado quer embarque os produtos no Reino Unido, quer em outro país".

Os arquivos da York Guns revelam que em 11 de setembro de 1995, Hyde entregou a um cliente na Escócia uma pistola automática vendida por 304 libras. Poucos dias mais tarde, o cliente devolveu a pistola e ligou para Hyde para reclamar da condição da arma. "Perguntei se ele gostaria que a consertássemos e incluíssemos alguns acessórios. E também ofereci restituir parte do valor da compra, caso ele aceitasse a arma de volta", Hyde narrou durante seu interrogatório.

Perguntado em um inquérito em Dunblane sobre o valor da restituição que havia dado a Thomas Hamilton, um antigo líder de escoteiros que usou a arma vendida por Hyde para matar 15 crianças e um professor, ele parou para pensar. "Acho que foi 50 libras", respondeu.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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