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21/02/2013 - 15h00

Capitalismo digital de empresas como Apple e Google produz poucos ganhadores

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JOHN NAUGHTON
DO "OBSERVER"

Apple, Amazon, Facebook e Google apresentam grandes lucros, mas muitos de seus funcionários não recebem grandes benefícios financeiros.

*

Você precisa aprender rapidamente sobre o capitalismo digital? Fácil: basta compreender quatro conceitos: margens de lucro, volume, desigualdade e emprego. E, se você precisa de mais detalhes, acrescente os seguintes adjetivos: ínfimas, vasto, imensa e baixo.

Vamos começar pelas margens de lucro. No passado, existiu uma grande companhia chamada Kodak. Ela dominava seu setor, no caso o de fotografia com o uso de filmes químicos. E em seu período de domínio, desfrutava de margens de lucro muito saudáveis - em certos casos, chegavam aos 70%. Mas em algum porão do laboratório de pesquisa e desenvolvimento da companhia, havia um pequeno grupo de cientistas trabalhando na invenção da fotografia digital. Quando eles mostraram o resultado de seus esforços ao chefe da divisão, a conversa foi mais ou menos assim: "Qual será a margem de lucro desse treco?", perguntou o patrão. "Bem, é uma tecnologia digital; na melhor das hipóteses, 5%", responderam os engenheiros. Patrão: "Obrigado e adeus".

Na verdade, foi a Kodak que disse adeus: aquelas gordas margens de lucro sobre uma tecnologia obsoleta cegaram os líderes da companhia. Os engenheiros da Kodak estavam certos, é claro. Qualquer coisa que envolva computadores e produção em massa está destinada a se tornar um produto genérico, mais cedo ou mais tarde. Meu primeiro celular (adquirido na década de 80) custou quase mil libras. Há alguns dias, vi um celular à venda em um supermercado Tesco por 9,95 libras. (E sim, estou ciente de que a Apple no momento desfruta de margens generosas com o seu hardware, mas isso acontece porque a empresa em geral está adiante da concorrência, e essa tendência não vai perdurar. O que vem acontecendo no mercado de aparelhos Android, muito maior, oferece um exemplo mais exato.) Aliás a tendência a margens ínfimas nos segmentos que não operam com hardware é ainda mais pronunciada, porque nos mercados on-line quase não existe fricção. Pode perguntar a qualquer empresa que tenha tentado concorrer com a Amazon.

Em seguida vem o volume, que no mundo on-line é astronômico. Por exemplo: 72 horas de vídeo subidos ao YouTube a cada minuto; mais de 100 bilhões de fotografias estão armazenadas no Facebook; no período natalino, a unidade britânica da Amazon despachava um caminhão carregado de pacotes a cada três minutos; até o momento, mais de 40 bilhões de aplicativos foram baixados na loja Apple iTunes. E assim por diante. As margens podem ser ínfimas, mas se você as multiplica por números dessa ordem, obtém montantes de faturamento espantosos.

Mas essa vasta receita não está sendo distribuída de maneira ampla. Em lugar disso, enriquece principalmente os fundadores e acionistas da Apple, Amazon, Google, Facebook etc. É claro que os profissionais que desempenham papéis importantes nessas organizações - os engenheiros, os programadores e os executivos que as comandam - recebem remuneração generosa, em termos de salário, opções de ações e mordomias. Mas esses afortunados trabalhadores representam uma minoria nos quadros de funcionários das grandes empresas de tecnologia, e a maioria de seus colegas trabalha em condições muito mais prosaicas, e recebe remunerações menos estratosféricas.

Tomemos a Apple como exemplo. A companhia faz alegações grandiosas sobre o número de empregos "diretos e indiretos" que cria e sustenta. Mas cerca de dois terços dos 50 mil funcionários da empresa nos Estados Unidos trabalham em sua rede de lojas, onde em 2012 muitos deles ganhavam apenas US$ 25 mil ao ano - ante uma renda nacional média de US$ 38.337 (em dólares de 2010).

E há também a questão do emprego, tópico sobre o qual as grandes empresas de tecnologia parecem excessivamente sensíveis. O Facebook, por exemplo, costuma contratar consultorias caras para que produzam alegações absurdas sobre o número de empregos que a companhia cria. Um desses "relatórios" alegava que a empresa, cuja força mundial de trabalho era naquele momento de três mil funcionários, havia ajudado a criar 232 mil empregos na Europa em 2011, gerando mais de US$ 32 bilhões em receitas. E a Apple, irritada com as críticas quanto aos empregos que terceirizou para a Foxconn na China, decidiu alegar agora que "cria ou sustenta" quase 600 mil empregos nos Estados Unidos.

A questão espinhosa que nenhuma dessas empresas deseja realmente responder é: exatamente que empregos? Quem estiver buscando informações sobre isso faria bem em consultar uma magnífica reportagem de Sarah O'Connor publicada pelo jornal "Financial Times". Ela visitou o imenso centro de distribuição da Amazon no condado britânico de Staffordshire e seu relato quanto ao que viu por lá é uma leitura que desperta indagações.

Ela viu centenas de trabalhadores usando coletes laranja e empurrando carrinhos em um armazém cujo comprimento equivale ao de nove campos de futebol, contemplando as telas de seus aparelhos pessoais de navegação para descobrir qual era seu próximo destino, e que produtos deviam apanhar lá. Os funcionários não podem perder tempo, porque "os aparelhos medem sua produtividade em tempo real". Os funcionários caminham entre 11 e 24 quilômetros ao dia, e tudo que fazem é determinado pelo software da Amazon. "Você é uma espécie de robô, mas em forma humana", disse um administrador do complexo a O'Connor. "Automação humana, poderíamos dizer".

Melhor esse emprego que nenhum, claro. Até o dia em que o trabalhador for mesmo substituído por um robô.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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