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05/03/2013 - 15h23

Venezuela já se prepara para a vida pós-Chávez

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STEPHEN GIBBS
DO "OBSERVER", EM CARACAS

Gustavo Patraín é há 14 anos um leal apoiador do presidente Hugo Chávez. "Ele é o homem, o líder, o máximo", diz ele, olhando por cima do capô do Dodge Coronet 1976 vinho que ele tenta consertar.

E, segundo o governo, o mecânico é também atualmente quase vizinho do enfermo presidente. A casa de dois cômodos, de tijolos e sem janela que ele divide com a mulher e três dos cinco filhos é visível a partir do hospital militar Carlos Arvelo.

É lá, no oitavo andar, que Chávez aparentemente está sendo tratado. Um cartaz gigantesco e espalhafatoso com a imagem do ex-paraquedista, ainda com saúde robusta, foi afixado a uma lateral do prédio. Fotos do líder abraçando uma idosa, com os dizeres "Chávez: vive, e sorri", adorna o calçamento degradado em frente ao hospital.

Miguel Gutierrez - 2.jan.13/Efe
Vestindo a camisa da selação brasileira, venezuelano pendura cartaz de apoio a Hugo Chávez, em Caracas
Vestindo a camisa da selação brasileira, venezuelano pendura cartaz de apoio a Hugo Chávez, em Caracas

Mas Gustavo não está convencido. "Ele está mesmo lá? Precisamos saber", diz. "Deveriam deixar que um de nós, do povo, fosse lá vê-lo. Até agora só foi o governo."

Nenhuma nova imagem de Chávez foi divulgada desde que ele chegou à Venezuela no meio da madrugada, procedente do mais recente tratamento em Cuba. Em diz disso, o governo tem divulgado boletins médicos vagos, mas cada vez mais pessimistas. Na quinta-feira (28), o vice-presidente Nicolás Maduro pareceu sugerir que o final estava próximo. O presidente, disse ele, "está lutando por sua saúde e por sua vida (...), e nós o estamos acompanhando". Acrescentou que Chávez "deu sua vida àqueles que não têm nada".

No dia seguinte, numa missa especial pelo presidente celebrada no hospital, Maduro disse que o presidente estava passando por quimioterapia, e que o próprio Chávez declarou estar entrando em "uma nova fase" de tratamentos "mais rigorosos e duros", e que desejava estar em Caracas para isso.

Em frente ao hospital, alguns soldados da guarda presidencial, facilmente distinguíveis por suas boinas vermelhas, transmitem a impressão de que o homem que desde 1999 comanda esta nação petroleira está mesmo lá dentro. Ocasionalmente, os soldados param um caro ou moto na entrada e fazem uma revista superficial. A imprensa estatal tem noticiado que Chávez deu instruções pessoais para que o hospital -- que antes do seu governo era apenas de uso militar --continuasse operando normalmente como um hospital público, apesar da sua presença.

Belinda, 39, passou o último mês morando dentro do prédio. Desde antes do anúncio da chegada do presidente ela já estava lá, cuidando da sua mãe, que sofreu um derrame em janeiro. Ela diz que, no dia em que soube que Chávez havia voltado à Venezuela, três andares do hospital foram lacrados, e todo o prédio foi limpo. "Mas tudo voltou ao normal", acrescenta ela. "Acho que ele está lá. Mas não tenho certeza de que está vivo."

Caracas está tomada por rumores assim. Na sexta-feira passada, as autoridades, inclusive o vice-presidente, reagiram. Criticaram setores da imprensa internacional que descreveram como "fascistas" por difundirem mentiras numa tentativa de desestabilizar o país. Citaram especificamente o jornal espanhol "ABC", que disse, sem identificar fontes, que Chávez havia decidido passar seus derradeiros dias no refúgio presidencial de La Orchilla, no Caribe, cercado por sua família. Jorge Arreaza, ministro venezuelano da Ciência e marido da filha mais velha do presidente, rejeitou a reportagem como sendo "bizarra e infundada".

Mas a especulação é alimentada pelo sigilo do próprio governo acerca da natureza e gravidade do câncer do presidente. Em junho de 2011, ele revelou que um tumor do tamanho de uma bola de beisebol havia sido descoberto, e removido, na região pélvica. Em duas ocasiões, Chávez declarou-se livre do câncer, sendo a mais recente quando fazia campanha por um novo mandato, em outubro passado, numa eleição que ele venceu por margem confortável. Mas em dezembro o presidente revelou que o câncer havia regressado, e que ele precisaria passar por uma quarta cirurgia.

Antes de embarcar pela última vez para Cuba, Chávez apareceu em rede nacional de TV. Aparentemente ciente da gravidade da sua doença, ele disse que, se o tratamento ao qual se submeteria o deixasse incapacitado "de alguma maneira", novas eleições presidenciais deveriam ser realizadas, e o povo deveria votar no vice-presidente Maduro. Brandindo um exemplar da Constituição, ele enfatizou ser essa a sua crença "absoluta e irrevogável". Ele então beijou seu crucifixo.

Maduro, um ex-motorista de ônibus e sindicalista que se tornou amigo e principal homem de confiança do presidente, estava sentado ao lado dele. Parecia desconfortável. Diosdado Cabello, ex-militar e hoje presidente da Assembleia Nacional, visto como possível rival de Maduro, permanecia impassível.

Mas, apesar do comando claro --e presciente-- de Chávez, seus subordinados parecem tê-lo ignorado, ou pelo menos decidido que ainda não chegou a hora de cumprirem suas instruções.

Em 10 de janeiro, quando Chávez deveria ter tomado posse no seu quarto mandato presidencial, a data simplesmente veio e se foi. Houve uma festa de posse, com ele ausente. Enquanto isso a Suprema Corte, leal a Chávez, declarou que ele tinha o direito de adiar o processo enquanto julgasse conveniente.

Maduro agora parece governar o país, mas rejeita firmemente o título de "presidente em exercício", e garante que Chávez continua suficientemente bem para dar instruções. No final de fevereiro, anunciou-se que o presidente participou durante cinco horas --supostamente do seu leito hospitalar-- de uma série de reuniões, abrangendo questões como segurança nacional e economia.

Depois disso, numa entrevista coletiva de fim de noite, Maduro admitiu que Chávez não pode falar por causa do tubo traqueal que auxilia sua respiração, mas que foi capaz de contribuir com as reuniões por meio de "uma variedade de meios escritos". Enquanto isso diplomatas venezuelanos distribuíram várias cartas atribuídas ao líder esquerdista, inclusive uma para o cubano Raúl Castro, felicitando-o por sua reeleição como presidente.

"O processo de beatificação já começou", diz o advogado Carlos Calderón, de Caracas. "Hugo Chávez está se tornando uma figura do inconsciente, ao fundo, cujos 'desejos' estão sendo cumpridos por seus ministros."

FIGURA DIVISIVA

O inigualável talento de Chávez para falar aos pobres da Venezuela --junto com os bilhões de petrodólares já gastos em programas sociais-- lhe valeu uma reverência quase religiosa por parte de seus seguidores. Mas ele continua sendo uma figura singularmente divisiva, e o país está rachado quase em partes iguais quando se trata de avaliar seus encantos --seus apoiadores o amam com a mesma intensidade com que seus oponentes o odeiam.

"Ele é o tipo de presidente que só aparece talvez a cada dois séculos", diz Francisco Morón, falando em sua nova casa de três dormitórios, que ele ganhou do governo no ano passado, após 25 anos como sem-teto.

O governo tem estimulado os venezuelanos a comparecerem a cultos religiosos e rezarem por seu líder enfermo.

Na sexta-feira, uma nova capela foi inaugurada nas dependências do hospital Carlos Arvelo, e uma missa foi celebrada com a presença de membros graduados do governo.

Enquanto isso, a oposição venezuelana está lentamente se preparando para a possibilidade de novas eleições. Os partidos, díspares e eventualmente indispostos entre si, ainda não escolheram um candidato único, mas supõe-se, novamente, que optariam pelo jovial governador do Estado de Miranda, Enrique Capriles. Em outubro passado, Capriles foi derrotado por Chávez, mas conseguiu quase 45% dos votos em nível nacional, disparadamente o melhor desempenho eleitoral da oposição em vários anos.

Apesar das falhas amplamente percebidas no governo Chávez --incluindo a disparada da criminalidade, a maior inflação da América Latina, cinco desvalorizações cambiais e uma crônica degradação da infraestrutura--, a oposição não conseguiu até agora atrair para sua causa um número suficientemente grande de eleitores chavistas desiludidos.

Mas seus líderes veem uma possível oportunidade na atual crise, especialmente se aqueles que estão ao redor do presidente doente derem mostras de terem enganado seus seguidores. "Eu não acredito que devamos ficar todo dia perguntando onde está Chávez", diz o parlamentar oposicionista Ismael García. "Ele claramente está mal, e um dia eles precisam acabar com essa mentira."

Por toda Caracas, enormes outdoors instalados antes da eleição de outubro proclamam que "somos todos Chávez". A mensagem é de que o chavismo é mais do que um homem, e que supostamente pode sobreviver a ele.

Mas a admiração de Gustavo por Chávez é quase comparável à desconfiança dele pelos homens que talvez venham a ter a tarefa de manter vivo o legado do presidente.

"Seja quem Maduro for", diz, "ele não é Chávez".

Tradução de RODRIGO LEITE.

 

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