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10/03/2013 - 08h01

O passado junta pó: corredores vazios no Museu Egípcio

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SILAS MARTÍ
NO CAIRO

Na praça Tahrir, epicentro da revolução que derrubou há dois anos o ditador Hosni Mubarak, carcaças de carros chamuscados e pilhas de lixo se acumulam ao redor das tendas dos acampados ali, um amplo círculo de concreto aberto na massa de ruas que conformam o centro do Cairo.

Tudo é cinza ou marrom, e as ruas que levam à praça, na trama urbana haussmaunniana da metrópole egípcia, estão bloqueadas com barreiras de concreto --uma delas isola a embaixada americana do foco dos protestos. Uma mesquita próxima parece ter se tornado ponto de encontro dos que apoiam a Irmandade Muçulmana, um pé do governo no meio da massa revoltosa.

Enquanto isso, no enorme prédio neoclássico de cor salmão que flanqueia a praça, o passado junta pó. O Museu Egípcio, onde estão a máscara mortuária dourada de Tutancâmon e outras relíquias dos tempos dos faraós, sofre com o descaso. Corredores vazios e antigas placas em francês, inglês e árabe mais confundem do que orientam os poucos visitantes.

Artefatos arqueológicos jazem sem identificação nas vitrines --uma visão chocante de glórias esquecidas enquanto lá fora os egípcios tentam garantir o futuro.

Perto dali, num bairro dominado por oficinas mecânicas, a Townhouse tenta pôr ordem nos discursos desencontrados da revolução. Única galeria de arte contemporânea no Cairo, a casa exibe agora, no segundo andar de um sobrado, uma série de vídeos em que cidadãos discutem o que está em jogo nesse momento de transição.

Uma sala foi reservada à condição feminina, com mulheres que narram episódios de assédio sexual que sofreram e clamam pela garantia de seus direitos civis. A arte aqui saiu de cena temporariamente para que se instaurasse um fórum de debates.

Marco Longari/AFP
Soldado diante do Museu Egípcio, na praça Tahrir, onde ocorreram manifestações contra o ditador Hosni Mubarak
Soldado diante do Museu Egípcio, na praça Tahrir, onde ocorreram manifestações contra o ditador Hosni Mubarak

QUARTEL-GENERAL

Num canto do Café Riche, o velho gerente segura firme uma máscara de oxigênio colada ao rosto. Tenta respirar, apoiado em pilhas de livros amarelados, enquanto os garçons de túnica azul correm de um lado para o outro atendendo os clientes, na maioria estrangeiros.

A duas quadras da praça Tahrir, o Riche sempre foi um reduto de intelectuais e escritores egípcios. Agora é o QG dos jornalistas acampados aqui. E dos ativistas contrários ao governo extremista da Irmandade Muçulmana, que se instalou no poder depois da guerra sangrenta contra Mubarak. Nas últimas semanas, protestos levaram à morte de ativistas aqui e em cidades como Port Said, a cerca de 200 km da capital.

A tensão no ar é grande, e as amplas janelas do Riche viraram um deque privilegiado de observação da vida ruidosa lá fora --uma redoma de vidro no coração empoeirado do Cairo.

Nas mesas ao redor, jovens ativistas conversam com repórteres estrangeiros. Sozinho, o gerente continua sua inalação, uma imagem viva do estado de suspensão que contamina a cidade.

ÀS MOSCAS

Em frente ao Riche, no segundo andar de um prédio afrancesado dos anos 1920, o Greek Club permanece vazio, sem a clientela habitual de ocidentais. Também já se foram os dias do Windsor, um dos poucos bares da capital egípcia.

No salão no primeiro andar de um hotel, decorado com velhos pôsteres da companhia aérea alemã Lufthansa e um mobiliário rococó, dois garçons assistem a um jogo de futebol na televisão, o gramado na tela tingindo de verde as mesas e as cadeiras solitárias.
NEGÓCIO LUCRATIVO

Parte do agito parece ter migrado para Zamalek, o bairro-ilha no meio do Nilo que abriga expatriados e embaixadas. Num café quase escondido no fim de uma rua cheia de placas indicando onde comprar armas e munição, conversas acaloradas em árabe seguem até tarde da noite. Muitos ali se apresentam como artistas, e música sufi inunda o ambiente retrô como espécie de trilha sonora da discórdia.

Livrarias do bairro também mostram como a revolução se tornou um negócio editorial lucrativo. Vitrines estão cheias de compilações dos tuítes da praça Tahrir --depois da Tunísia, o Egito levou a cabo a maior revolução da Primavera Árabe, alimentada pela força das redes sociais-- e de teses acadêmicas sobre os pormenores do levante popular contra o ex-ditador Mubarak.

Imbatível, também está lá o best-seller "As Garotas de Riad", uma espécie de "Sex and the City" árabe já em sua enésima edição.

 

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