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28/03/2013 - 15h00

Poemas de D.H. Lawrence foram salvos da censura

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DALYA ALBERGE
DO "OBSERVER"

D.H. Lawrence foi vítima infame da censura, e seu romance sexualmente explícito "O Amante de Lady Chatterley" foi proibido no Reino Unido até 1960. Agora uma nova edição de seus poemas, muitos dos quais a censura tinha deixado ilegíveis, vai revelar que ele foi um brilhante poeta da guerra cuja poesia criticando o imperialismo britânico durante a Primeira Guerra Mundial foi impedida de ser publicada.

Seus poemas condenavam políticos, a brutalidade da Primeira Guerra Mundial e a repressão inglesa --mas a censura e a editação malfeita os deixaram virtualmente sem sentido, a tal ponto que a extensão plena de seu talento poético passou despercebida.

Trechos deletados foram restaurados e centenas de erros de pontuação foram corrigidos para uma grande edição em dois volumes a ser lançada hoje pela Cambridge University Press. Será a parte final de sua edição gigante, em 40 volumes, das cartas e obras de Lawrence.

Reprodução
O escritor inglês D.H. Lawrence e sua mulher Frieda durante viagem de navio ao Egito
O escritor inglês D.H. Lawrence e sua mulher Frieda durante viagem de navio ao Egito

"The Poems", a primeira edição crítica da poesia de D.H. Lawrence, lança luz nova sobre o filho de mineiro que se tornou um dos escritores mais influentes do século 20, com romances como "Filhos e Amantes", "O Arco-Íris" e "Mulheres Apaixonadas".

O editor do novo volume, Christopher Pollnitz, disse ao "Observer" que o livro "modifica radicalmente nossa compreensão da importância de Lawrence como poeta". O que foi extirpado dos poemas --por censores do Estado ou editores receosos de intervenção governamental-- representou a "censura máxima", disse ele, porque os cortes extensos e importantes tornaram os textos virtualmente ilegíveis.

Lawrence escreveu poesia de 1905 até sua morte, em 1930, aos 44 anos. Pollnitz diz que supõe-se amplamente que apenas seus romances tenham sofrido censura, mas que na realidade "a censura foi imposta a toda sua obra poética, também".

A nova edição contém cerca de 860 poemas, incluindo "All of Us", uma sequência de 31 poemas de guerra nunca antes publicada na íntegra, que revela a preocupação de Lawrence com as campanhas dos Aliados na Primeira Guerra Mundial.

Entre 1916 e 1919, Lawrence se esforçou para fazer a sequência ser impressa. De acordo com Pollnitz, editores cientes da proibição de "O Arco-Íris" recusaram uma coletânea que criticava a política imperial --a abertura de frentes orientais na Turquia ou no Iraque-- e poesia que tratava do mal do autossacrifício em nome de algum bem maior e abstrato.

Versos agora restaurados identificam lugares como Salonica e Mesopotâmia, que na época, diz Pollnitz, eram referências explosivas. "A guerra estava em curso, e a pior derrota sofrida pelos britânicos foi na Mesopotâmia. A investida do general Townshend pelo rio Tigre em direção a Bagdá foi uma das operações mais caras da Primeira Guerra Mundial e que provocou o maior desperdício de vidas e dinheiro."

O subtítulo "Salonika" aparece em "Rose, Look Out Upon Me", poema antes inédito. Pollnitz comentou: "Salonica era a cidade grega à qual foram enviadas tropas Aliadas após o fracasso da tentativa de tomar o Dardanelos".

No poema, Lawrence mostra um soldado inglês baseado em Salonica que se apaixona por uma mulher grega, mas é uma paixão infeliz: "Oh you Rose, look out/ On a miserable weary fellow./ For once she looked down from above/ And vanished again like a swallow/ That appears at a window " (Oh, Rose, olhe da janela / Para um sujeito miserável e exausto. / Pela primeira vez ela olhou do alto / E sumiu outra vez, como uma andorinha / Que aparece numa janela...).

Lawrence também escreveu sobre o front doméstico, a mudança nos papéis das mulheres --uma garota deixa seu namorado espantado ao pedir que fique com ela antes de partir para a guerra-- e como a inocência da infância pode ser destruída pelas tensões da guerra.

Pollnitz acrescentou: "Os escritos de Lawrence sobre a guerra e o sexo foram censurados pela timidez das editoras, o que tornou 'All of Us' impublicável na época, e a sequência está sendo publicada na íntegra quase cem anos depois de escrita".

Devido a seus problemas de saúde, o próprio Lawrence nunca foi convocado a prestar serviço militar. Seu insight sobre a guerra provavelmente veio de sua amiga pacifista, lady Cynthia Asquith, nora do primeiro-ministro Herbert Asquith. Enquanto poetas da guerra como Wilfred Owen descreveram a crueldade do campo de batalha ensanguentado, Lawrence tratou dos mortos e do impacto das mortes sobre seus entes queridos, desde um ponto de vista político.

E era obrigado a escrever com mais sutileza, porque os censores já o estavam vigiando. Em um poema intitulado "Dust", discorreu sobre a morte terrível de um parente: "My brother died in the heat/ And a jackal found his grave;/ Nibbled his fingers, the knave;/ No more would I let him eat" (Meu irmão morreu no calor / e um chacal encontrou sua sepultura; / Roeu seus dedos, o patife; / Não o deixei comer mais).

Em "Antiphony", Lawrence escreveu sobre um prisioneiro de guerra britânico na Turquia que sofre no cativeiro --"cada noite, amargo outra vez"--, e, em "Needless Worry", sobre uma jovem que perdeu seu noivo, soldado, e fala com sua mãe: "Why are you so anxious, there's no fear now he's dead" (Por que você está tão ansiosa, não há o que temer agora que ele morreu").

Em "The Well of Kilossa", Lawrence alude à guerra na África oriental alemã e ao número enorme de mortos na paisagem inóspita: "A draught of thee is strength to a soul in hell" ("um gole de ti é reforço para uma alma no inferno").

A edição de poemas está sendo publicada um século depois de a censura ter cortado 10 mil palavras de "Filhos e Amantes" e ter destruído quase todos os exemplares de "O Arco-Íris"; entre os trechos que causaram ofensa estava um episódio sexual entre Ursula Brangwen e sua professora. O romance sexualmente explícito "O amante de lady Chatterley", de 1928, virou "cause célèbre" em 1960 quando, após um julgamento que ganhou cobertura ampla, a Penguin conquistou o direito de publicar o livro na íntegra --um passo de enorme importância na conquista da liberdade da palavra escrita.

Tradução de CLARA ALLAIN.

 

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