Tate Modern, em Londres, planeja expansão 15 anos após inauguração
RESUMO Em seu primeiro ano, a Tate Modern, que ocupa uma velha usina reformada pelos arquitetos Herzog & de Meuron, foi o museu de arte moderna e contemporânea mais visitado do mundo. A instituição ainda atrai multidões, mas conta com menos recursos públicos. Construir um novo prédio é um caminho para buscar receitas.
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O prédio da antiga usina termoelétrica em Bankside ainda era um canteiro de obras quando Marcus Dickey-Horley, 51, entrou ali pela primeira vez, em janeiro de 2000.
A quatro meses da inauguração da Tate Modern, tratores com cimento circulavam de um lado a outro pelo vão central, e o cheiro de óleo daquela antiga sala de turbinas ainda era forte.
Responsável por coordenar o acesso dos visitantes, Marcus começou a trabalhar no novo museu seis semanas antes da inauguração. Ele recorda o primeiro fim de semana: "Nunca vi uma multidão como aquela. No sábado, a fila ia até a estação Blackfriars, no outro lado do rio. Tivemos que segurar até 400 pessoas no Turbine Hall pois era impossível entrar mais gente nas galerias".
Tate Photography | ||
Antiga Turbine Hall, hoje entrada do Tate Modern, servirá de conexão com o novo prédio |
A tal multidão –cerca de 45 mil pessoas– foi só o prelúdio. No primeiro ano de funcionamento, a Tate Modern se tornou o museu de arte moderna e contemporânea mais visitado do mundo, com um total de 5,25 milhões de pessoas –e segue na dianteira até hoje.
Naquele ano, recebeu mais que o dobro de visitantes que o MoMA, em Nova York. E, principalmente, o dobro do que era esperado. Apesar de o número ter diminuído de 5,5 para 4,8 milhões de visitantes em 2014, o museu bateu outro recorde no ano passado: a mostra "Henri Matisse: The Cut-Outs" foi a temporária mais visitada da instituição, vista por 562.622 pessoas.
A Tate Modern comemora seu 15º aniversário em plena expansão. O novo prédio, previsto para 2016, leva a assinatura dos arquitetos Herzog & de Meuron –a mesma dupla suíça que adaptou a antiga usina projetada nos anos 1940 por Giles Gilbert Scott (famoso por ter criado as cabines telefônicas vermelhas) para a instalação da Tate Modern.
Os tijolos aparentes lembram a estrutura original, mas o complexo em construção, uma pirâmide assimétrica, de 11 andares e 21 mil metros quadrados, é mais monumental e deve aumentar a capacidade do museu em até 60%.
A sala de turbinas da antiga usina, o Turbine Hall, ligará os prédios: "A ideia do novo complexo é ser também um ambiente que favoreça o encontro, um lugar de atividades", ressalta o diretor da instituição, Chris Dercon.
Se acomodar melhor o público e ter mais salas para a coleção e mostras temporárias justificam a ampliação, orçada em 215 milhões de libras, a Tate tem ainda outra razão central para investir nela.
Desde que o financiamento que recebia do governo pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS, na sigla em inglês) foi reduzido em até 16% nos últimos cinco anos, diversificar as fontes de renda se tornou palavra de ordem na instituição. O novo prédio é fundamental para esse processo.
"Como os investimentos públicos para museus vêm diminuindo, é preciso encontrar outras formas de se manter. Espaços para promover eventos são importantes para atrair patrocinadores. Restaurante, loja e livraria também são fontes de lucro. Para administrar um museu hoje é preciso equilibrar todos esses componentes", explica Andy Pratt, professor da City University of London e especialista em economia criativa.
CAÇULA
Idealizada em 1992 para abrigar a coleção de arte moderna internacional e contemporânea da antiga Tate Gallery, a Tate Modern é o terceiro ramo da instituição, que já tinha duas filiais no Reino Unido: a Tate Liverpool, aberta em 1988, e a Tate St. Ives, em 1993.
Quando o novo museu em Bankside ficou pronto, o prédio original de Millbank, também no sul de Londres, passou a se chamar Tate Britain, abrigando só o acervo de arte britânica –base da coleção da instituição, fundada em 1889.
A caçula é a mais bem-sucedida das galerias. O número de visitantes anual das outras três equivale a metade do total de visitação da Tate Modern. Ela é também uma das três atrações turísticas mais visitadas no Reino Unido e dá a Londres um retorno financeiro de 100 milhões de libras ao ano.
Diretor da Tate desde 1988, Nicholas Serota é considerado principal responsável pelo sucesso do museu. No comando das quatro galerias, ele foi eleito em outubro passado a figura mais importante da arte contemporânea pela lista anual da "ArtReview". O trabalho na Tate Modern, que definiu "um paradigma ocidental do sistema de artes, sendo exportado para o mundo inteiro", nas palavras do editor da revista, Mark Rappolt, foi a principal justificativa.
Serota tem um papel que vai além das funções administrativas. Costuma visitar ateliês de artistas e assina a curadoria de exposições, caso da mostra sobre Matisse.
Ele também teve uma atuação importante na escolha do prédio onde nasceria a Tate Modern e no apoio do governo para que a galeria fosse gratuita –iniciativa que se estendeu a todos os museus nacionais de Londres, em 2001.
Mas talvez seu principal mérito ao idealizar o museu tenha sido identificar a oportunidade. "O que a Tate Modern estava propondo correspondia ao espírito daquele tempo. Dirigir o foco para uma perspectiva internacional e cosmopolita tinha muito a ver com Londres no fim dos anos 1990, quando o governo britânico começou a levar a sério a cultura contemporânea", ressalta Andy Pratt.
As mudanças que a Tate Modern levou ao Bankside também fizeram da instituição um modelo seguido por diversas outras cidades. A antiga região industrial era uma das áreas mais pobres da cidade –hoje é um polo turístico.
A nova galeria foi planejada com o propósito de exibir e ampliar o acervo de arte moderna internacional e contemporânea, além de abrigar departamentos voltados a pesquisa e formação do público. E não aderiu à onda de construir filiais pelo mundo, contrapondo-se ao "efeito Guggenheim", que teve início com a construção do museu em Bilbao. Preferiu investir em parcerias com instituições internacionais, como a firmada com a Pinacoteca em 2012.
Nos últimos anos, lançou também comitês de aquisição voltados para regiões como Rússia, Leste Europeu e sul da Ásia. Ampliar o alcance internacional é também um dos objetivos da nova fase.
GLOBAL
Mesmo vendo com bons olhos a iniciativa do museu, T. J. Demos, professor da University College of London (UCL) e especialista em arte contemporânea e globalização, aponta algumas falhas na proposta da Tate Modern de representar uma produção global.
"Há uma hierarquia clara na programação, que tende a priorizar artistas europeus e americanos em individuais, enquanto nomes do eixo não ocidental aparecem em mostras coletivas", critica.
Para Demos, o projeto de expansão se aproxima do modelo em que novos museus são criados como espaços de consumo e voltados para o turismo.
"Infelizmente, esse formato não é desafiador estética ou politicamente. Não há uma programação ambiciosa e voltada para temas contemporâneos, como se vê no Reina Sofía, em Madri, por exemplo. A Tate atende cada vez mais a interesses privados, abrindo mão de sua função como instituição pública", diz ele.
A aproximação com o setor privado é uma das principais críticas feitas à instituição. Hoje, cerca de 30% de seu orçamento (30,4 milhões de libras, no último ano) vem do governo –os outros 70% são captados em diversas frentes.
No ano passado, a Tate fechou uma acordo de 11 anos com a Hyundai para patrocinar as famosas instalações do Turbine Hall –artistas como Louise Bourgeois, Olafur Eliasson e Ai Weiwei já criaram obras para o espaço.
"A maior parte do setor cultural no Reino Unido adotou esse sistema. O risco é ser patrocinado por uma empresa que comprometa sua reputação", comenta Pratt.
Desde 2010, o coletivo de arte Liberate Tate tem feito uma série de performances em protesto contra a parceria da Tate Britain com a empresa de petróleo BP, responsabilizada pelo desastre ambiental do Golfo do México, há cinco anos. Um dos objetivos era que a instituição revelasse publicamente as informações do contrato com a BP.
Quando, no fim de janeiro, foi divulgado o valor recebido em 17 anos, a quantia de 3,8 milhões de libras foi considerada baixa pelo grupo: "Com esses dados, ficou claro que a motivação do acordo não é apenas financeira, pois o dinheiro envolvido é muito pequeno", afirmou Jane Shellac, uma das integrantes do Liberate Tate.
Apesar de a BP não ser patrocinadora direta da Tate Modern, é bem provável que o grupo planeje alguma performance para a inauguração do prédio anexo ano que vem. Se a ideia da nova Tate Modern é ser mesmo um espaço de ruptura e voltado para todo tipo de encontro, como definiu o diretor, atos como esses também devem ser bem-vindos.
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