Leia cinco poemas russos de Liérmontov
SOBRE O TEXTO Estes poemas, de um dos principais nomes do romantismo na Rússia, conhecido como "o poeta do Cáucaso", são parte de um conjunto no qual a dupla de tradutores vinha trabalhando. Eles permaneciam inéditos quando da morte de Schnaiderman, em 18 de maio passado.
Lenora de Barros | ||
"Roleta Russa" (2000), de Lenora de Barros, da série "Ping-poema para Boris" |
"ADEUS, Ó RÚSSIA MAL LAVADA..."
Adeus, ó Rússia mal lavada,
terra de escravo e grão-senhor,
adeus, ubíquo azul de farda
e gente afeita ao seu feitor.
Talvez o Cáucaso, alto muro,
me oculte enfim de teus paxás,
cujo olhar vê tudo no escuro
e cujo ouvido ouve até mais.
*
UMA VELA
Uma vela, no azul da bruma
do mar, branqueja solitária.
Que busca ao longe? Aonde ruma?
Do que, zarpando, se separa?
Brincam as ondas e murmura
o vento; o mastro verga e chia.
Persegue o quê? Não é ventura.
Foge do quê? Não da alegria.
Torrente mais que anil a enleia,
enquanto o sol de ouro a acalenta.
Rebelde, porém, ela anseia
somente a paz que há na tormenta.
*
"BYRON NÃO SOU..."
Byron não sou, mas outro eleito
desconhecido ainda e, embora
também eu vague mundo afora
proscrito, sou russo em meu peito.
Parti mais cedo e vou chegar
mais cedo ao fim, quase sem obra;
minha alma encobre feito um mar
cada esperança que soçobra.
Quem pode, mar sombrio e mudo,
saber de teu segredo – e, além
do mais, contar aos outros tudo
o que remôo? Eu? Deus? Ninguém!
*
A TAÇA DA VIDA
Bebemos vendados da taça
da vida enquanto
lavamos seu ouro sem jaça
com nosso pranto.
A venda desfaz-se, porém,
antes da morte,
e o que nos seduzia tem
a mesma sorte,
Vazia, a taça então revela
seu nada insosso:
bebíamos sonho que, nela,
nem era nosso!
*
UM SONHO
Num vale daguestano eu expirava,
chumbo no peito, inerte, ao meio-dia;
a chaga funda ainda fumegava,
meu sangue gota a gota se esvaía.
Jazia sobre a areia, abandonado,
penhascos me rodeavam, e um sol forte
queimava cada cimo alto e dourado,
bem como a mim, num sono já de morte.
Sonhava que na terra onde nascera
caía a noite e havia num festim,
com flores no cabelo e de maneira
jovial, moças falando sobre mim.
Mas, longe da alegria e da conversa,
sentava-se uma delas de ar tristonho
e a sua jovem alma estava imersa
na mágoa só Deus sabe de que sonho.
Num vale daguestano, ela sonhava
que, inerte, um corpo familiar jazia,
sua chaga enegrecera e ele sangrava
numa torrente cada vez mais fria.
MIKHAIL LIÉRMONTOV (1814-41) poeta e romancista russo.
BORIS SCHNAIDERMAN (1917-2016), tradutor, escritor e ensaísta ucraniano radicado no Brasil.
NELSON ASCHER, 58, é poeta e tradutor, autor de "Parte Alguma" (Companhia das Letras).
LENORA DE BARROS, 62, é artista plástica e expõe na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo, até 30/7.
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade