Leia poemas de 'Forte Apache', obra inédita de Marcelo Montenegro

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MARCELO MONTENEGRO
ilustração ANA SARIO

SOBRE O TEXTO Os poemas nesta página integram "Forte Apache", obra inédita do poeta paulistano que a Companhia das Letras lança em fevereiro, num volume que inclui "Orfanato Portátil" (2003) e "Garagem Lírica" (2012), livros anteriores do autor.

Crédito: Ana Sario
Ilustração de Ana Sario

TRÊS PENSATOS

1.
PENSO naquela única gota
gelada do chuveiro quente.
Nas ilíadas clandestinas
que a febre percorre
até virar suor. Penso nas caretas
que os músicos fazem
quando estão solando.
No meu pai me dizendo
que tudo isso aqui era mato.
Penso na imagem exata
de uma aurora indecisa.
Penso em calços de papelão
para pianos mancos.

2.
PENSO em alguém que, na manhã
do dia de sua morte, desiste
de usar a camisa que mais gosta,
preferindo guardá-la para uma festa
que terá na noite seguinte.

3.
PENSO em você, por exemplo,
largando o controle
remoto e dizendo —
do jeito mais lindo
do mundo — que adora
quando consegue pegar
um filme do começo.

FORTE APACHE

Noel Rosa dizia que era universal sem sair de
seu quarto. Elvis Costello disse que o rock 'n' roll
não morrerá porque sempre vai ter um garoto
trancado em seu quarto fazendo algo que ninguém
nunca viu. Laura Riding, por seu turno, falava
da pretensão de "escrever sobre um assunto/
que tocasse todos os assuntos/ Com a pressão
compacta do quarto/ Lotando o mundo entre meus
cotovelos". Já François Truffaut considerava-se
pertencente a uma família de cineastas que
praticava uma espécie de "cinema do quartinho
dos fundos, que recusa a vida como ela é" —
como "nas brincadeiras de crianças, quando
refazíamos o mundo com nossos brinquedos".
Como escreveu Ferreira Gullar no Poema sujo,
"que me ensinavam essas aulas de solidão"?
Aliás, é Pascal quem avisa: todos os males
derivam do fato de que não somos capazes
de permanecer tranquilos em nossos quartos.

MARCELO MONTENEGRO, 46, é poeta, roteirista de televisão e cinema.

ANA SARIO, 33, é artista plástica.

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