Em Washington, moradores se irritam com barulho de artistas de rua

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Crédito: Reuters
Músico canta na rua em Park City, Utah

ESTELITA HASS CARAZZAI

A vereadora Anita Bonds já sabia que iria mexer em vespeiro quando convocou audiência pública para ouvir moradores de Washington sobre o barulho na região central da capital americana. "É um tópico muito sensível", admitiu.

Não era para menos: a principal reclamação dos que falaram na audiência de três horas, realizada no início de dezembro, foram os "buskers" —os artistas de rua, que tomam as esquinas e estações de metrô mais movimentadas da cidade até tarde da noite

"É um problema de saúde pública", afirmou David Mitchell, que mora com sua filha, que tem deficiência visual, numa esquina no epicentro de Washington. Para ele, a música —que muitas vezes é tocada em alto volume até a noite— é uma "agressão". "Uma tortura sonora", concordou outro morador, Kelvin Stevens, que se vê frequentemente obrigado a usar fones de ouvido.

Os moradores pedem limites para os decibéis e os horários das performances. Mas há quem veja na grita uma ponta de censura.

"Esse 'barulho' é parte do que torna D.C. o que ela é", defende o músico Malik Stewart, 25, nascido e criado em Washington. Para o percussionista, as performances fazem parte da cultura local e são o ganha-pão de muita gente.

"Você não vai a Nova York e pede que desliguem a Times Square. Mas aqui, as pessoas pensam que têm poder para isso", disse Stewart.

Nos últimos anos, incorporadoras construíram novos prédios na área central, onde atualmente vivem 10 mil pessoas, segundo o vereador Jack Evans. "É um outro mundo", afirmou.

Junto com o aumento populacional, vieram os amplificadores, para competir com mais trânsito e barulhos como os da concorrência: "Quanto maior o volume, maior o show", admitiu Stewart.

Muitos artistas só ficaram sabendo da reunião depois da realização. Houve reação, e ativistas levantaram suspeitas de que o movimento tivesse ingredientes racistas, já que boa parte dos "buskers" é negra.

O Comitê de Habitação e Vizinhança do Distrito de Columbia, onde fica Washington, afirmou à Folha que não há qualquer preconceito. Segundo o órgão, a intenção era abrir o debate sobre os limites razoáveis do volume sonoro na cidade, bem como os locais e horários onde esse tipo de performance deveria ser permitido.

A maior preocupação da cidade é conciliar o bem-estar da vizinhança com o direito de liberdade de expressão, cláusula pétrea da Constituição americana —particularmente relevante na cidade que abriga a Casa Branca, o Capitólio e alguns dos principais organismos de representação internacional.

Não por acaso, a reunião do mês passado foi acompanhada por representantes do Ministério Público dos Estados Unidos.

OS OLHOS DE QUEM VÊ

Em 2007, Washington já havia sido notícia como a cidade que não parou para ouvir Joshua Bell. Um dos violinistas mais prestigiados da atualidade, ele fez uma experiência para o jornal "Washington Post" em que tocava incógnito numa estação de metrô da cidade.

Na época, Bell se vestiu com um moletom e um boné e, depois de 45 minutos de apresentação, conseguiu parar apenas meia dúzia de pessoas e coletar US$ 32.

Mas isso não quer dizer que a cidade seja totalmente refratária aos músicos de rua.

"Eu não tive nada a não ser uma experiência maravilhosa em D.C.", afirmou à Folha a artista neozelandesa Emma Ghaemmaghamy, 29, que se apresenta há dois anos em Washington. Ela diz que recebe abraços todos os dias e coleciona cartas de fãs. Mas não usa amplificadores.

"Eu entendo os dois lados. Eu mesma não toco em Gallery Place [estação de metrô no centro da cidade] porque é muito barulhento", comentou. A artista defende um meio termo e vê na polêmica uma possibilidade de diálogo.

TRABALHADORES NO MUSEU

Um dos principais museus de Washington, a National Portrait Gallery decidiu levar trabalhadores das ruas para dentro de suas galerias por meio da exposição "O Suor dos seus Rostos: Retratos de Trabalhadores Americanos", inaugurada em novembro.

O projeto surgiu quando a curadora Dorothy Moss leu, em sua pesquisa de mestrado, uma reportagem de 1897 sobre um encanador que havia sido impedido de entrar no Metropolitan Museum of Art, em Nova York, por estar com roupas sujas.

"Quão acessíveis temos tornado nossos museus?", questionou. A mostra, com fotografias, pinturas e esculturas que retratam desde escravos até trabalhadores latinos, da construção civil e de lojas de fast-food, fica em cartaz até setembro.

ESTELITA HASS CARAZZAI, 31, é correspondente da Folha em Washington.

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