As tecnologias para vencer a morte e suas consequências éticas

Crédito: Marlene Bergamo/Folhapress
O gerontologista britânico Aubrey de Grey, que pesquisa o combate ao envelhecimento humano

FRANCESCA MINERVA
ADRIAN RORHEIM
DA AEON

A imortalidade agora é laica. Dissociada do reino dos deuses e anjos, ela se tornou tema de investimento sério —tanto intelectual quanto financeiro— por parte de filósofos e cientistas, além do pessoal do Vale do Silício.

Centenas de pessoas já optaram pela "preservação criogênica", em vez de simplesmente morrerem, e vão esperar que a ciência avance o suficiente para lhes dar uma segunda chance de viver.

Mas, se tratamos a morte como problema, quais são as implicações éticas das "soluções" altamente especulativas que vêm sendo propostas?

É claro que, no momento, não temos como atingir a imortalidade humana —e nem está claro que isso será possível um dia. Mas duas opções hipotéticas atraíram atenções: tecnologia de rejuvenescimento e upload da mente.

Como uma fonte da juventude futurista, a tecnologia de rejuvenescimento promete reverter os danos do envelhecimento em nível celular. Gerontologistas como Aubrey de Grey argumentam que envelhecer é uma doença que podemos contornar por meio da substituição ou do reparo de nossas células em intervalos regulares.

Em termos práticos, isso significaria que, de tempos em tempos, visitaríamos clínicas de rejuvenescimento. Os médicos não apenas removeriam células cancerosas, infectadas ou danificadas como também induziriam as células saudáveis a uma regeneração mais efetiva e descartariam dejetos acumulados.

Essa recomposição profunda faria voltar o relógio do corpo, levando o paciente a se tornar fisiologicamente mais jovem do que sua idade efetiva. As pessoas, no entanto, continuariam tão vulneráveis quanto no passado a uma morte causada por trauma agudo —ou seja, por lesão ou envenenamento, acidental ou não.

O rejuvenescimento parece ser uma solução de risco relativamente baixo, porque na prática estende e melhora a capacidade inerente do corpo para se regenerar.

Contudo, se você realmente estiver em busca de uma vida eterna em um corpo biológico, você teria de se precaver ao máximo. Seria preciso evitar qualquer risco de dano físico, o que te transformaria em uma das pessoas mais ansiosas de todos os tempos.

UPLOAD DA MENTE

A outra opção seria fazer um upload da mente —ou seja, digitalizar o conteúdo do cérebro de uma pessoa e armazená-lo em um computador.

Esse método pressupõe que a consciência se assemelha a um software que opera em uma espécie de disco rígido orgânico; que aquilo que faz com que você seja você está contido no total de informações armazenadas no cérebro, e que portanto seria possível transferir esse conteúdo para um substrato físico ou uma plataforma diferente.

Essa continua a ser uma hipótese altamente controversa. Mas, deixando de lado a questão sobre onde reside aquilo que torna uma pessoa a pessoa que ela é, vamos brincar com a ideia de que talvez seja possível reproduzir o cérebro em forma digital.

Ao contrário do rejuvenescimento, o upload da mente apresenta questões éticas difíceis.

Alguns filósofos, por exemplo David Chalmers, acreditam que exista a possibilidade de que um upload poderia parecer funcionalmente idêntico ao cérebro que o originou, mas sem ter experiência consciente do mundo. Ou seja, o resultado seria mais um zumbi que uma pessoa —e muito menos a pessoa da qual a cópia se originou.

Já outros pensadores, como Daniel Dennett, argumentam que isso não seria um problema. Como uma pessoa é redutível aos processos e conteúdo de seu cérebro, uma cópia funcionalmente idêntica desse cérebro —não importa o substrato em que ela opere— não seria capaz de gerar outro resultado que não uma reprodução da pessoa original.

Há outras questões. Não há como prever o que o upload em si causaria como sensação na mente que está sendo transferida. A pessoa passaria por uma dissociação de alguma espécie ou por algo ainda mais difícil de prever?

E se todo o processo, o que incluiria a própria existência da pessoa como ser digital, for tão diferente qualitativamente da existência biológica que o resultado seja completo pânico, ou mesmo catatonia? E, nesse caso, o que acontece se a pessoa transferida não puder mais se comunicar com os outros, ou se desligar?

A imortalidade seria mais uma maldição do que uma benção em uma situação como essa. A morte já não pareceria tão ruim, afinal, mas infelizmente talvez deixasse de ser possível.

Outro problema deriva da possibilidade de reproduzir um cérebro e permitir que a cópia viva em paralelo com o original. Uma posição popular na filosofia é a de que a singularidade de alguém depende exatamente de que a pessoa permaneça singular —o que significa que uma fissão na identidade da pessoa significaria morte.

Ou seja: se uma pessoa se cindisse em pessoa1 e pessoa2, ela deixaria de ser a pessoa original e estaria morta para todos os fins e propósitos.

Alguns pensadores, como Derek Parfit (morto no ano passado), argumentam que, embora a pessoa original possa não sobreviver a uma fissão, desde que cada nova versão da pessoa mantenha conexão ininterrupta com o original, isso equivaleria a uma sobrevivência ordinária.

PROBLEMAS ÉTICOS

Qual dessas opções é mais complicada em termos éticos? A meu ver, o "simples" rejuvenescimento seria uma escolha menos problemática, provavelmente. Sim, superar a morte, se isso se aplicar a toda a espécie humana, exacerbaria fortemente nossos problemas existentes de superpopulação e desigualdade, mas ao menos teríamos problemas razoavelmente familiares a enfrentar.

Podemos estar razoavelmente certos, por exemplo, de que o rejuvenescimento alargaria a disparidade entre ricos e pobres e terminaria por nos forçar a fazer escolhas decisivas sobre uso de recursos, sobre limitar ou não o ritmo de crescimento da população e assim por diante.

Por outro lado, o upload da mente criaria uma pletora de dilemas éticos sem precedentes. Mentes carregadas num computador poderiam constituir uma esfera radicalmente diferente de agência moral.

Por exemplo, muitas vezes consideramos que as capacidades cognitivas sejam relevantes para o status moral de um agente (um dos motivos para que confiramos status moral mais alto a um ser humano do que a um mosquito).

Mas seria difícil apreender as capacidades cognitivas de mentes que podem ser aumentadas por meio de computadores cada mais rápidos e que se comunicarão umas com as outras à velocidade da luz, já que isso as tornaria incomparavelmente mais inteligentes do que o mais inteligente dos seres humanos.

Como argumentou o economista Robin Hanson em "The Age of Em" (2016), precisaríamos encontrar maneiras justas de regulamentar as interações entre o novo e o velho domínio, e dentro do novo domínio —ou seja, tanto entre humanos e uploads mentais como entre os uploads em si.

Além disso, o desenvolvimento espantosamente rápido de sistemas digitais significa que podemos ter muito pouco tempo para decidir como implementar regulamentações, ainda que mínimas.

E quanto às consequências pessoais e práticas da escolha de uma pessoa com relação à sua imortalidade?

Presumindo que essa pessoa chegue a um futuro no qual rejuvenescimento e upload de mentes sejam possíveis, a decisão dela dependerá da amplitude e do tipo de risco que esteja disposta a assumir.

O rejuvenescimento parece ser a opção mais convencional, embora talvez venha a fazer com que a pessoa se preocupe ainda mais com proteger o seu corpo físico frágil.

O upload da mente tornaria muito mais difícil que a mente fosse destruída, pelo menos em termos práticos, mas não está claro que uma pessoa sobreviveria (em qualquer sentido relevante da palavra) se fosse copiada múltiplas vezes. Esse é um território completamente incógnito, com riscos muito superiores aos que alguém teria de encarar no caso de um rejuvenescimento.

Mesmo assim, a perspectiva de nos vermos libertados dos grilhões da mortalidade é inegavelmente atraente —e se um dia se tornar opção, de uma maneira ou de outra, muita gente concluirá que os atrativos superam os perigos.

FRANCESCA MINERVA, pesquisadora de pós-doutorado em filosofia na Universidade de Ghent, na Bélgica, participou do workshop "identidade pessoal e política pública", no Centro para o Estudo do Risco Existencial, em novembro de 2016, onde fez a apresentação na qual este artigo foi baseado.

ADRIAN RORHEIM é pesquisador e editor da Fundação do Altruísmo Efetivo, Berlim.

Publicado originalmente pelo site Aeon, em associação com o Centro para o Estudo do Risco Existencial, da Universidade de Cambridge.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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