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08/08/2010 - 08h00

Carla Caffé conta como foi "resumir" o bairro de Pinheiros em desenhos

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DE SÃO PAULO

A arquiteta Carla Caffé, 45, passou quase três meses assistindo ao amanhecer do dia nos arredores do largo da Batata, o coração do bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.

O trabalho "Memória da Paisagem do Largo da Batata", que ficará exposto permanentemente no Sesc Pinheiros a partir do próximo domingo, 15/8 é isso, o registro do tempo que passa. "Meu trabalho tem a ver com a memória. A memória urbana. Parece que a gente não liga para o que fazem com a nossa cidade. Ninguém acha que é dono, ninguém se apropria dela. Então, quando eu desenho, quero que essas imagens sejam impulsionadoras de uma reflexão _em duplo sentido mesmo. Porque o reflexo de nossa imagem é também nossa história, mas é preciso também investigar para onde queremos ir."

Carla tinha de estar ali no máximo às 6h da manhã, antes que o trânsito local, principalmente de ônibus, cortassem a "paisagem".

As faixas e exteriores dos prédios eram feitos nesse início da manhã. Para o registro dos interiores e dos detalhes dos comércios, Carla tinha de esperá-los abrir.

"Desenhar é praticamente uma instalação. Você tem de se fixar num lugar. E quando se fixa, começa a interagir com seu entorno. Cria vínculos. As pessoas param para falar com você, são seduzidas pelo desenho. Há uma troca. Você também acaba ocupando um espaço."

Carla diz que acabou trocando histórias, cumprimentos e até cartões de visita com os habitantes da região.

"O desenho permite esse registro vertical, com profundidade, da imagem. Eu tenho todas as histórias registradas ali, nas cores dos prédios (são todas reais!), nas portas e janelas entreabertas, no lustre que a costureira herdou de seu avô russo, nos pedaços de sapato pendurados em varais no fundo do comércio... Uma bibliotecária me contou a história de uma fábrica, a King Bijoux, cujo prédio está lá até hoje, intacto. Me disse que o prédio onde ficam tem aquelas janelas grandes, até o chão, porque têm porão. E há muitos anos, quando eles estavam no auge, na época das chuvas, a inundação que entrava pelas janelas trazia em suas águas, no refluxo, as miçangas guardadas no estoque. Todas as crianças do bairro sabiam disso, e vinham recolhê-las quando as chuvas paravam. Não é uma história bonita?"

Segundo a arquiteta, o trabalho tem a licença poética de, algumas vezes, reunir referências ou detalhes em um só desenho. Mais importante que o registro de uma fachada em todos os seus minuciosos detalhes, como faz a fotografia, Carla acredita que seu desenho tinha de "resumir Pinheiros". Para contar melhor uma história, diz.

"O comércio de Pinheiros é um comércio de miudezas, onde o artesão de ofício predomina. Achei uma sapataria que faz calçado sob medida, a pedido do cliente, e uma tabacaria, que ainda tem fumo de corda. Encontrei também muitas balanças de peso. Acho que elas são um símbolo das décadas de auge da atividade mercantil da região, quando os preços das mercadorias eram determinados em função de quanto pesavam."

Mas todo esse investimento em eternizar a beleza e a história de uma arquitetura e de uma região prevê seu final. Carla Caffé sabe, e diz ter intencionalmente transmitido isso em seus desenhos, que a região tem seus dias contados.

"Acho que daqui a não mais que cinco anos essas construções de dois andares, essa arquitetura vai ter desaparecido e dado lugar aos arranha-céus. Por isso meu trabalho sobre Pinheiros tem esse jeito de faraoeste. Foi uma fronteira desbravada pelos imigrantes que chegaram ali, que vai ser substituída pelos símbolos da cidade contemporânea."

E apesar de Carla não incluir as pessoas na "paisagem" de seus desenhos, elas estão sempre presentes, de alguma forma. A arquiteta sente isso também nessa mudança por que passa o bairro de Pinheiros. "O mais triste é que as pessoas que estão ocupando essas construções, algumas há mais de 60 anos, sabem que estão sendo expulsas."

 

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