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28/03/2013 - 03h40

"Usar desonerações contra inflação é um desperdício", diz economista

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MARIANA CARNEIRO
DE SÃO PAULO

O conhecimento do economista Cláudio Adilson Gonçalez, 64, sobre a inflação brasileira foi forjado também na prática.

Ele integrou as equipes econômicas de Luiz Carlos Bresser-Pereira (1987) e Mailson da Nóbrega (1988-1990), no Ministério da Fazenda -um período em que a inflação era o inimigo número 1 de famílias, governo e empresas.

Hoje, Gonçalez diz que o governo "flerta" com a inflação mais alta e que isso tem custos. E afirma que a estratégia de domar preços via desonerações é desperdício de recursos "em uma empreitada condenada ao fracasso".

*

Folha - O governo está sendo leniente com a inflação?
Cláudio Gonçalez - Prefiro dizer que o governo assume um risco exagerado em relação à possibilidade de a inflação estourar o teto da banda [de 6,5%]. O mercado vem perdendo a confiança na autonomia e na determinação do Banco Central em fazer a inflação convergir para o centro da meta [4,5%]. E essa deterioração de expectativas torna o controle inflacionário muito mais custoso e difícil.

Uma das estratégias é tentar reduzir preços dos produtos, desonerando impostos. Tem efeito contra a inflação?
A carga tributária no Brasil é excessiva e a desoneração deve ser vista com bons olhos, embora eu discorde da forma como tem sido feita, ou seja, arbitrariamente, para setores escolhidos. Mas isso não tem nada a ver com política de combate à inflação.

Por quê?
A inflação é o aumento generalizado e persistente do nível de preços e tem origem na interação entre oferta e demanda agregada. Mesmo que a redução do custo com tributos seja repassada ao consumidor -e isso ninguém pode garantir, pois depende das condições do mercado -, o máximo que se obtém é um alívio temporário no ritmo de aumento dos preços.

Se o desequilíbrio que está por trás do processo inflacionário não for corrigido, a inflação retomará seu curso anterior.

Qual é o risco?
Tal estratégia certamente não alcançará o objetivo de controlar a inflação de forma duradoura. Então não se trata de riscos, mais de custos. O mais importante é que o governo desperdiça receitas fiscais em uma empreitada condenada ao fracasso.

É uma distorção na alocação de recursos. Será que não seria melhor empregá-los para reduzir de forma horizontal a carga tributária ou melhorar a educação, a saúde, a infraestrutura?

O governo tenta persuadir empresários a repassar a desoneração para os produtos. Efetivamente, o governo abriu mão de receita. Dará certo?
Certamente não terá êxito algum. Não é assim que funciona a economia de mercado. Empresários são agentes econômicos em busca de lucro, e não seres altruístas.

Apesar da inflação, a popularidade da presidente Dilma Rousseff aumentou. Será que esse nível de inflação não está afetando o brasileiro?
A popularidade se mantém elevada porque o mercado de trabalho está aquecido e os salários estão crescendo acima da inflação. Mas essa não é uma situação de equilíbrio.

Para os segmentos mais competitivos, como a indústria, as margens operacionais estão sendo corroídas, e isso desestimula o investimento e, posteriormente, o crescimento econômico.

Manter empregos deve ser, então, agenda mais importante?
De certa forma, é isso que o governo vem tentando fazer, mas os resultados do crescimento têm sido pífios. Do ponto de vista estritamente político, quer dizer, se o foco for a eleição de 2014, essa estratégia pode até funcionar.

O mercado de trabalho está aquecido não devido ao crescimento econômico, mas à escassez de mão de obra. E essa situação pode perdurar até o ano eleitoral.

E depois de 2014?
Bem, aí vai depender de como for conduzida a política econômica. Se o governo continuar flertando com a inflação, se não aumentar a eficácia das políticas pró-produtividade (e, consequentemente, pró-investimento), cairemos no pior dos mundos: o crescimento econômico será menor ainda, em razão das restrições do lado da oferta de bens e serviços, e o ritmo de alta dos preços se acelerará. Em um cenário ruim como esse, não será possível preservar os atuais ganhos de salário.

As projeções de crescimento para 2013 giram em torno de 3%, maior que 2012. Por que, apesar da prevista recuperação, a Bolsa segue deprimida?
Há duas razões para essa recuperação: a primeira é o provável fim do ciclo de redução de estoques, que já dura dois anos.

A segunda é um discreto aumento nos investimentos, induzido principalmente pelo setor de petróleo, equipamentos urbanos nos Estados e municípios e algumas obras de infraestrutura, tudo com significativa ajuda do BNDES.

Mas é preciso qualificar esse número. Não se trata de nada espetacular, depois dos fracos desempenhos em 2011 e 2012. Não tem força suficiente para estimular os preços das ações.
Além disso, o mercado acionário sofre pelas intervenções do governo na economia.

Os investimentos estão voltando? As estatais podem aumentar investimentos, apesar dos resultados frustrantes?
Há indícios de uma moderada recuperação dos investimentos, mas continuará muito aquém da necessária para elevar o potencial de crescimento econômico do país, de forma a reduzir o abismo que separa nossa renda per capita da observada nos países desenvolvidos.

Sobre o setor elétrico, sou pessimista. Faço consultoria para algumas importantes empresas do setor, e o ambiente é péssimo. Já a Petrobras, cujo ano de 2012 deveria ser riscado de sua história, deve elevar investimentos.

Não há alternativa e o governo sabe disso. Para tanto, como já disse, a participação do BNDES será crucial.

*

RAIO-X

IDADE: 64 anos

ATUAÇÃO: sócio da MCM Consultores Associados

HISTÓRICO:

- Consultor do Banco Mundial

- Assessor especial na antiga Seplan

- Subsecretário do Tesouro Nacional na gestão de Luiz Carlos Bresser-Pereira

- Chefe da Assessoria Econômica na gestão de Maílson da Nóbrega, no Ministério da Fazenda

 

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