ANÁLISE
Realidade brasileira explica por que investimento chinês não sai
Um país como a China, com 1,3 bilhão de habitantes, não pode se dar ao luxo de pensar pequeno.
Quem já viajou a uma grande cidade chinesa se dá conta não só de que a estrutura dos aeroportos é gigantesca mas que os táxis para os viajantes chegam de dez em dez.
Se embarcassem passageiros um a um, a espera seria de horas a fio. O que ocorre, na prática, é que as filas são sempre longas, mas andam depressa.
Os projetos chineses não ficam atrás. Têm sempre grande porte, multiplicam-se rápido ou já são programados às dezenas ou às centenas.
Como as multinacionais não estão frequentemente preparadas para atender a demandas megadimensionadas, a China cria rapidamente sua capacidade de fazer e produzir o que precisa. Mais adiante, passa a exportá-la.
Quando os governantes chineses viajam ao exterior, operam frequentemente como se estivessem no próprio país.
Há cerca de duas semanas, o líder Xi Jinping, numa visita ao Paquistão, falou em investimentos em infraestrutura de US$ 46 bilhões. Li Keqiang, no Brasil, cogitou exceder US$ 50 bilhões. Boa notícia, mas muitos se perguntam por que os projetos do governo e das empresas chinesas nunca se materializam na dimensão projetada.
Creio que há quatro razões.
A primeira é que o governo e as empresas governamentais chinesas tendem a associar a realidade de países de menor porte ao que ocorre no seu plano doméstico. Acreditam que, se há necessidades, elas devem ser satisfeitas rapidamente. Quando convidados a investir em infraestrutura, não entendem que o convite se limita à participação em licitações e que os processos são longo e podem, não se materializar.
A segunda é que o encontro com a realidade brasileira, sobretudo a tributária, surpreende. A tributação na China é simples, a autoridade arrecadatória fica na esfera submunicipal: o bairro. É fácil lidar com ela. Os bairros estão sempre dispostos a atrair investimentos.
A terceira é que muitos empresários identificam boas oportunidades no exterior para sair à cata de financiamento governamental em casa. O financiamento muitas vezes não se viabiliza ou, quando os recursos se tornam disponíveis, há outros usos que parecem mais interessantes ou rentáveis. Ou seja, passamos, sem saber, ao segundo plano.
A quarta é que os investidores chineses falam em novas iniciativas sem pré-análise de risco. Essa vem ao longo do tempo ou das negociações com um parceiro local. E, quando se percebe que o risco parece ser maior que o projetado, a intenção de investir é abortada sem que os investidores expliquem a razão.
À parte esses quatro fatores, há um outro que não pode ser minimizado. O mundo está à cata dos investimentos chineses. Sabe que a China tem capacidade empresarial, excedente financeiro e que ter um investidor do país por trás de uma empresa no exterior é quase uma garantia de ampliar exportações para lá, mesmo nos segmentos altamente regulamentados.
Como a maior parte dos países tem um deficit comercial com os chineses e as empresas em todo o mundo querem atingir esse mercado, a procura por atrair investidores chineses é determinada.
Esse não parece, contudo, ser o caso do Brasil. Usualmente somos superavitários nas trocas bilaterais. Nossos empresários não têm uma estratégia clara de penetração no mercado chinês e preferem evitar os parceiros asiáticos.
A questão é que, sem pensar na força que a Ásia e a China deverão ter nas próximas décadas deste século, correremos o risco de nos apequenar no cenário externo.
E deixar para agir mais adiante poderá se revelar um prejuízo irrecuperável com o passar do tempo.
Sem pensar na força que a Ásia e a China deverão ter nas próximas décadas deste século, correremos o risco de nos apequenar no cenário externo. E deixar para agir mais adiante poderá se revelar um prejuízo irrecuperável com o passar do tempo.
MARCOS CARAMURU, diplomata, sócio e gestor da Kemu Consultoria, com sede em Xangai
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Atualizado em 24/04/2024 | Fonte: CMA | ||
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