Troca de ministro é irrelevante nesta roleta-russa política, diz Delfim Netto
Tuca Vieira/Divulgação | ||
O economista e ex-ministro Antonio Delfim Netto |
A troca de ministros da Fazenda é irrelevante e não afasta a impressão de que o país está "indo para o buraco", diz o ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto.
Um dos economistas mais respeitados do país, Delfim foi ministro na ditadura militar e interlocutor dos governos Lula e Dilma, no início do primeiro mandato.
O afastamento começou no final de 2012, quando a presidente insistia numa política econômica que desequilibrou os preços no país e enfraqueceu o setor industrial.
Embora contrário ao impeachment —"seria preciso haver prova de que Dilma foi desonesta"—, ele diz que a administração política da presidente "desintegrou-se".
"Estamos numa roleta-russa, não num jogo político."
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Folha - A troca de ministros da Fazenda faz diferença?
Antonio Delfim Netto - Não. Os dois [Joaquim Levy e seu substituto, Nelson Barbosa] são muito competentes. O problema não é econômico. É político. Não há possibilidade de terminar um ajuste fiscal sem reconstruir primeiro —ou junto com ele, pelo menos– a expectativa de crescimento.
Como se recupera o crescimento agora?
O crescimento é um estado de espírito. O que existe hoje é um desânimo muito grande, produzido pelas dificuldades da economia, que, por sua vez, desintegraram a administração política.
O Brasil é um país hoje em que a administração política está anulada. Um governo que tem dez partidos com 320 deputados, e nenhum partido tem fidelidade ao governo, nenhum deputado tem fidelidade ao partido.
Estamos numa roleta-russa, não num jogo político.
Sem definição do conflito político, então, não há saída?
É mais que isso. Não é só que a situação presente é difícil. É muito pior, a perspectiva é que estamos caminhando para o buraco. O que precisa eliminar é essa perspectiva, e ela só será eliminada se fizermos as reformas necessárias.
Quais são?
Enfrentar o problema da Previdência, das vinculações. Vinculação é um ato maluco, é a mesma coisa que estar num avião, ligar o piloto automático e esperar acabar o querosene. Ela tira o poder do Congresso e do Executivo.
Precisamos restabelecer certa flexibilidade no mercado de trabalho, o que não quer dizer reduzir direitos constitucionais do trabalhador, mas harmonizar as relações entre trabalhadores e empresários, sob vigilância dos sindicatos, para que se organizem melhor.
Precisa enfrentar também o problema fiscal. A tributação é muito alta, muito injusta. Não vai resolver tudo de uma vez, mas é preciso que alguém apresente ao Congresso essas reformas. Isso obriga o Congresso a enfrentar os assuntos. Hoje se imagina que o Congresso não vai aprovar e não se manda nada.
Há clima político para aprovar alguma reforma agora?
Não. É preciso organizar a política. Temos um sistema sem credibilidade. A troca de ministros é irrelevante. O que é relevante é o Poder Executivo recuperar o seu protagonismo, apresentar ao Congresso as reformas constitucionais necessárias e ir para a rua —conclamar a sociedade a pôr em xeque o Congresso para aprová-las.
A presidente Dilma tem condições para isso?
Espero que sim. Ela diz, pelo menos, que é guerreira. Não há solução tranquila para o país a não ser a retomada do protagonismo do Executivo.
A reação de desconfiança do mercado financeiro após o anúncio de Barbosa indica que o custo do ajuste será mais alto?
O mercado sabe muito pouco. Basta ver o que pensava no início deste ano e o que pensa hoje.
E a proposta aventada por Barbosa de colocar bandas na meta fiscal?
Não inventa nada, meu Deus! Todos os países desenvolvidos hoje, por tentativa e erro, chegaram à mesma política. Vamos copiar em vez de inventar.
Qual o principal erro do ministro Levy?
O ministro Levy não cometeu erro nenhum. Ele não teve poder para fazer o que precisava ser feito. Confundiu-se o Levy como um fanático do equilíbrio fiscal, que era só uma ponte para ver aprovadas as reformas constitucionais. O Levy nunca viu seu plano adotado, não tem culpa de nada. Tudo o que se atribui a ele vem das medidas tomadas antes. É o pensamento mágico da esquerda infantil, de achar que o efeito vem antes da causa.
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- RAIO-X DELFIM NETTO
IDADE: 87 anos
OCUPAÇÃO: Economista e professor emérito da Faculdade de Economia da USP
FORMAÇÃO: Economia (USP)
CARREIRA: Ministro da Fazenda (1967-1974), embaixador do Brasil na França (1975-1978), ministro da Agricultura (1979) e do Planejamento (1979-1985), deputado federal (1987-2007)
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