Há razão para apatia com economia global, diz diretor do Banco Mundial
Tomas Munita/The New York Times | ||
Construção no centro financeiro de Riad, capital da Arábia Saudita |
Até junho do ano passado, o Banco Mundial estimava que 2016 traria uma melhora para a economia mundial e o Brasil. Ao lançar seu relatório global em janeiro, porém, a perspectiva de crescimento no Brasil havia sido substituída por recessão, e a projeção de crescimento do mundo sofreu um corte significativo.
"A ideia de que este ano poderia ser melhor que o passado virou de cabeça para baixo", diz o diretor do Banco Mundial Ayhan Kose, que chefia a equipe responsável pelo relatório semestral Perspectivas Econômicas Globais, uma das referências no assunto.
Para Kose, há motivos para o atual pessimismo em relação ao desempenho da economia mundial, mas não há sinais de uma recessão global à vista. Segundo ele, os principais riscos são a desaceleração das economias emergentes e o estresse nos mercados financeiros. Leia trechos da entrevista de Kose à Folha.
Folha - O pessimismo sobre a economia mundial continua piorando. Por quê?
Ayan Kose - As economias avançadas não estão indo bem como esperávamos. Nos emergentes, liderados pela China, há uma desaceleração desde 2010, com o crescimento menor a cada ano. Nesse ambiente, as notícias são importantes e os mercados tornam-se sensíveis.
O desafio gerado pela China não é pela desaceleração em si, mas em como a composição do crescimento muda. Eles não vão mais importar commodities e bens como antes, porque vão deixar de construir tantos imóveis e fábricas. Isso tem consequências para o resto do mundo. Acho que há razão para o pessimismo. Vemos fraqueza em quase todas as grandes economias, exceto a Índia.
Há um motivo comum para a desaceleração mundial?
De um lado, há acomodação na política monetária, que não gerou inflação nem atividade econômica como se esperava nas economias avançadas. De outro, o ambiente externo é desafiador para os emergentes. Além disso, há razões idiossincráticas, que os brasileiros conhecem bem. Nas economias avançadas, os bancos centrais estão muito ativos tentando apoiar a atividade econômica e criar inflação, mas as pessoas veem com desconfiança a eficiência dessas políticas. Nas emergentes, a atividade está desacelerando.
Se pensarmos nos três fatores que sustentam os emergentes –preços de commodities, comércio e fluxos financeiros–, 2015 foi o pior ano desde a crise financeira de 2008. Sem falar nas commodities. Das 46 matérias-primas que acompanhamos, 42 caíram de preço em 2015.
O preço baixo do petróleo poderia ser uma boa notícia, mas não reduziu o pessimismo. Por quê?
Há múltiplas razões para isso. Em primeiro lugar, o legado da crise. As pessoas podem ir ao posto e gastar menos com gasolina, mas há dívidas e elas preferem economizar. Nos EUA, o nível de poupança cresceu. Na zona do euro, também há muito endividamento.
Além disso, o benefício que tínhamos no passado por meio de acomodação [da política monetária] quando havia um colapso no preço do petróleo não existe hoje.
A terceira razão é que o investimento, que era muito importante, caiu nos EUA e nos emergentes. A questão não é só o preço das commodities, não há mais investimento.
Colocando tudo junto, na verdade o declínio nos preços do petróleo ajudou o consumo nos EUA e na Europa, mas não houve o tipo de impacto que esperávamos, de 0,6% a 0,7% de aumento no PIB global.
Há uma fraqueza geral na economia global. O que realmente nos preocupa é a fraqueza nos emergentes e como ela tem sido contínua nos últimos cinco anos. E vai continuar neste ano.
Das grandes economias emergentes, Brasil e Rússia estão em recessão. A China desacelera. Na África do Sul, o crescimento é fraco. Só a Índia vai razoavelmente bem. Quando essas economias desaceleram, há impacto em outros países emergentes, e ele é considerável.
A rapidez da deterioração brasileira foi uma surpresa?
De um lado, o Brasil enfrenta o ambiente externo, com a queda das commodities. A China, um grande parceiro, está desacelerando. No plano interno, há os óbvios desafios para o governo. Essa combinação, com espaço limitado para a política fiscal e monetária, torna muito complexo o desafio do governo para delinear políticas. Há desafios nos dois cenários. Um período de crescimento baixo é inevitável.
No mais recente relatório do Banco Mundial, o Brasil foi destaque negativo, apontado como um dos fatores para o corte na previsão de crescimento global. O país tornou-se um risco?
Quando as economias emergentes estão fracas –eu sou da Turquia–, todos são afetados. Sim, estávamos otimistas em relação ao Brasil. Mas, quando há esse ambiente externo, é preciso haver investimentos no plano doméstico. No Brasil, os investimentos foram afetados. Pode haver consumo, mas, quando os investimentos começam a ser adiados, é um problema. Até junho, esperávamos crescimento de 1,1% no Brasil em 2016. Em janeiro, a estimativa caiu para contração de 2,6%.
A China é um fator de risco?
Há uma desaceleração gradual na China e, por enquanto, ordenada. Vai continuar assim. As autoridades estão tomando medidas para tornar o câmbio mais baseado no mercado. Há um crescimento robusto do setor de serviços. A indústria desacelera, mas isso é o que eles queriam. Há desafios, reformas estruturais a serem feitas, mas estamos confiantes em que virão. Não vejo o "fator China" entre as preocupações.
Há risco de recessão global?
Recessões globais não acontecem com tanta frequência. Houve apenas quatro desde a Grande Depressão. Em 1975, 1982, 1991 e 2009. Uma recessão global acontece quando há contração no PIB per capita global e um colapso do comércio mundial, do fluxo financeiro, da produção industrial, do emprego e do consumo de energia. É preciso um grande choque na economia global, que leve a nocaute um número de grandes economias. Estamos reduzindo nossas previsões de crescimento, mas uma recessão global não está em nossas projeções.
Quais são os maiores riscos para a economia mundial?
O primeiro é uma desaceleração mais profunda nos emergentes. O segundo é estresse nos mercados financeiros. E esse estresse pode ser gerado por vários fatores. Pode ser pela política monetária das economias avançadas ou pelo aumento da aversão ao risco. É o que houve nas primeiras semanas do ano. A combinação entre desaceleração nos emergentes e estresse financeiro gera queda no PIB global entre 0,9% e 1,2%.
Quem tem um negócio e vê que o crescimento será menor fica pessimista e reduz o investimento, o que afeta a capacidade de expansão econômica. É um problema.
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