Crítica
Prêmio Nobel analisa mercados em que só o dinheiro não basta
Ana Paula Paiva/Valor | ||
O economista Alvin Roth, autor de "Como Funcionam os Mercados" |
Mercados não são criações da natureza, imutáveis como a chuva. Eles são ferramentas feitas para atender à sociedade. Por isso, devem ser compreendidos e aperfeiçoados para obedecer a seus desejos.
A afirmação é de Alvin Roth, professor da Universidade Stanford (EUA) laureado com o Prêmio Nobel de Economia de 2012, em entrevista à Folha por telefone.
Em seu livro "Como Funcionam os Mercados", recém-publicado no Brasil, Roth analisa um tipo específico de mercado que estudou e aprimorou durante sua carreira: aqueles em que o dinheiro não é o
suficiente para o fechamento de uma transação.
Em vez disso, nos mercados baseados no que ele chama de "match" (combinação), todas as partes envolvidas na negociação precisam se escolher ao mesmo tempo.
A obra apresenta uma grande variedade desses mercados (em uma acepção ampla da palavra), entre eles o da contratação de estagiários, aluguel de quartos no Airbnb, compra de produtos na Amazon e
CASAMENTOS
Roth explica que, enquanto nos mercados mais simples, de commodities, o fechamento de negócios é fácil, pois os produtos possuem uma qualidade parecida entre si e não faz diferença quem é o
comprador e o vendedor, mercados de "match" dependem da troca de muitas informações.
O livro intercala considerações gerais sobre o que são esses mercados e o que eles precisam para funcionar bem (concentração de compradores e vendedores, velocidade, segurança para troca de
informações) com descrições dos principais trabalhos do autor, que o levaram ao Nobel.
Essa alternância se reflete na fluidez da leitura. Em momentos o texto é fácil, leve e cheio de anedotas. Em outros é mais exigente, como quando detalha a lógica por trás do algoritmo que permitiu a melhor
combinação possível entre as preferências das famílias de estudantes e das escolas de Nova York.
Essas passagens, que não chegam a exigir repertório matemático, envolvem reflexões sobre quem deve fazer a proposta primeiro, quando uma proposta pode ser aceita em definitivo e quando se deve
esperar para ver se haverá outra mais adequada.
RINS E REPUGNÂNCIAS
A obra tem seus pontos altos quando trata de temas em que o pensamento econômico precisa dialogar com questões éticas e culturais.
Roth descreve no livro a cria
ção do sistema de trocas de rins nos EUA, que ele ajudou a desenvolver em 2004 e permitiu até hoje cerca de 4.000 doações, segundo ele.
Nele, candidatos a doar um rim para pessoa próxima, porém incompatível com o órgão, podem se inscrever em um banco de doadores para tentar realizar uma troca cruzada com outros doadores e
pacientes.
Roth estima que 10% dos transplantes com doadores vivos nos EUA sejam feitos a partir do sistema.
Ele não chega a dizer que seria a favor de um mercado para venda de rins, mas afirma que gostaria que a questão fosse mais estudada, reconhecendo os desafios que esse mercado traria, especialmente
garantir que não houvesse um incentivo para a exploração dos mais pobres.
Transações como essa, que parte das pessoas quer fazer e outras estão empenhadas em impedir que aconteçam, são chamadas de "repugnantes" por Roth e merecem um capítulo em sua obra.
Ele aponta que proibir mercados frequentemente significa apenas criar um mercado negro, que pode ter consequências piores do que seu funcionamento sob determinadas regulações:
Como Funcionam Os Mercados |
Alvin Roth |
Comprar |
"Proibir um mercado de drogas como o crack não é uma forma de garantir que as pessoas não irão comprar. Poderia encontrar a droga não muito longe de onde moro, e não é caro, o que indica que o
fornecimento é bom".
Roth diz olhar com interesse a legalização da maconha em Estados norte-americanos como Califórnia e Massachusetts, aprovada na terça-feira (8). Isso permitirá analisar consequências positivas e
negativas, afirma.
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