Opinião
Fábula do choque dos preços administrados é tese frágil
Alan Marques/Folhapress | ||
Presidente do BC, Ilan Goldfajn, comanda a reunião do Copom |
Digamos que eu me proponha a explicar as causas da diversidade de alturas encontradas num grupo de pessoas residentes em Pindorama da seguinte forma: os fulaninhos altos têm pernas compridas, tronco extenso e pescoço esticado enquanto os cicraninhos baixos apresentam pernas curtas, tronco compacto e pescoço de aríete. Ficaria o leitor satisfeito com minha explicação científica?
E se disser que a inflação está alta porque as expectativas de inflação se elevaram, a taxa de câmbio pressionou os preços comercializáveis e a oferta na economia anda meio murcha, e a demanda, vigorosa, ficaria o digníssimo satisfeito? Por que não?
Porque eu simplesmente não expliquei nada. Eu apenas decompus a endiabrada.
No jargão do economista, as partes que compõem o todo são variáveis endógenas, não alavancas que o BC ou o ministro da Fazenda podem mover para nos entregar uma inflação bonitinha perto de 4,5%.
"Mas o governo pode sim influenciar mais diretamente parte da inflação! Via preços administrados!" Ah, verdade, perdoem-me o lapso...
Falando em preços administrados, lembrei-me do papel crucial que eles desempenham na narrativa inflacionária de Laura Carvalho, professora na mesma escola da qual se encontra afastado esse escrivinhador.
Segundo o que pude entender, a inflação épica de 2015 não deveria ter sido combatida com aperto de juros por se dever a um choque adverso de oferta, na forma de uma alta grotesca dos preços administrados. É uma verdade, mas uma verdade de Pirro.
A inflação dos preços livres, aquela sob a influência direta da política monetária, de fato sobe em 2015 possivelmente influenciada pela pressão dos administrados.
Ela sai da zona de conforto dos 7,5% a 8%, por onde flutuou nos dois anos precedentes, e acelera para uns 9,5%. Não fossem esses malditos administrados, teríamos uma inflação de preços livres na casa de uns 8%, ligeiramente acima da meta de 4,5% e da média das economias emergentes, de 3,5%.
Mas não é apenas por isso que o argumento é frágil.
Note que a inflação dos preços administrados passa de 1% para 21%. Estranhamente, Laura e os defensores da catastrófica Nova Matriz não falam que a inflação cheia rodou por muitos trimestres perto do teto de 6,5% com preços administrados digamos bastante amigáveis -postos perto de zero para dar uma forcinha.
Se querem insistir na fábula do choque do "mal" de preços administrados atrapalhando a inflação em 2015, têm que falar também que a inflaçãozona de 2012-2014 só não foi mais alta ainda por causa do choque do "bem" dos preços administrados durante o maldito biênio (onde mesmo li que as noções de bem e mal são relativas?).
Voltando à altura da inflação, obviamente ela não se explica pela soma de suas partes, mas sim por uma política monetária extremamente frouxa no período 2012-2014, pelo crédito farto a juro subsidiado (vai JBS!) que marcou a Nova Matriz, por um superavit primário cadente e pela miríade de ineficiências microeconômicas que solaparam a oferta. Finalmente, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, está correto ao ligar reformas à inflação/juros.
Claro que a reforma da Previdência e outras não afetam a ociosidade da economia no curto prazo. Mas afetam o juro neutro/estrutural de longo prazo, a taxa de câmbio hoje e as expectativas de inflação de médio prazo. E isso é crucial para a inflação já hoje.
Relendo o artigo antes de clicar o "enviar" para o editor, o que mais me deixa chocado é que nada nele se afasta muito do óbvio ululante.
CARLOS EDUARDO GONÇALVES, 44, é professor licenciado da Universidade
de São Paulo e colaborador do projeto PQ?
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