Assédio sexual perdura por 25 anos em fábricas da Ford em Chicago
Alyssa Schukar/New York Times | ||
Shirley Thomas-Moore (à esquerda) e Suzette Wright, que foram alvo de assédio na Ford |
Os empregos eram os melhores que elas poderiam conseguir: trabalhar para a Ford, uma das maiores companhias dos EUA, recebendo salários negociados por sindicatos fortes. Mas em duas fábricas da empresa em Chicago as mulheres se viram submetidas a ameaças.
Os chefes e colegas as tratavam como propriedades ou presas. Os homens faziam comentários cruéis sobre seus seios e nádegas. Bolinavam as mulheres, as agarravam, simulavam atos sexuais ou se masturbavam diante delas. Os supervisores distribuíam promoções em troca de sexo e puniam as operárias que não cediam às abordagens.
Isso aconteceu um quarto de século atrás.
Hoje, mulheres que trabalham nas mesmas fábricas dizem ter sido submetidas a abusos similares. E, como aquelas que se queixaram no passado, contam ter sido alvos de zombaria, ameaças e ostracismo. Uma conta ter sido chamada de "vagabunda resmungona", e outra foi acusada de "estuprar a empresa".
Muitos dos homens que as perseguiam mantiveram seus empregos, segundo as mulheres envolvidas.
Em agosto, a agência federal americana que combate a discriminação nos locais de trabalho (EEOC) chegou a um a acordo de US$ 10 milhões com a Ford em um processo administrativo por assédio sexual e racial nas duas fábricas.
Uma ação quanto a isso continua a andar na Justiça. Foi, uma vez mais, a repetição de algo que já havia acontecido: anos atrás, uma série de investigações da EEOC resultou em acordo sob o qual a Ford pagou US$ 22 milhões em indenização e assumiu o compromisso de reprimir comportamento desse tipo.
Para Sharon Dunn, que processou a Ford na primeira série de queixas, o novo processo foi um golpe. "Muito de bom deveria ter ocorrido por causa daquilo que sofremos, mas ao que parece a Ford nada fez", disse. "Se tivesse de fazer a mesma escolha hoje, teria calado a boca".
A história revela a persistência do assédio em um setor que no passado só empregava homens e no qual os abusos talvez sejam ainda mais escancarados que em outros.
Em um momento no qual tanta gente vem exigindo que o assédio sexual não seja mais tolerado, a história dessas fábricas da Ford é um exemplo dos desafios que precisam ser enfrentados para reformar uma cultura.
Trabalhadores descrevem uma mistura de sexo, empáfia, suspeitas e ressentimento racial que torna as fábricas especialmente voláteis.
Muitos sentem profunda lealdade à Ford e seu sindicato e encaram com ressentimento as queixosas, temendo que elas prejudiquem a empresa e coloquem em risco seus bons salários.
Shirley Thomas-Moore recorda a situação na metade dos anos 80: um operário batia com seu martelo em uma grade, chamando a atenção dos colegas: "Carne fresca!", gritavam os operários.
Um emprego na Ford era visto como grande oportunidade. Quando Suzette Wright foi convidada a trabalhar, aos 23 anos, em 1993, ficou "insanamente entusiasmada". Wright era mãe solteira e estava trabalhando em empregos de tempo parcial. Em um instante, seu salário por hora triplicou, para cerca de US$ 15. Com as horas extras, conseguia ganhar US$ 70 mil ou mais por ano –incentivo para aguentar muita coisa.
Como muitas das operárias que processaram a Ford, Wright é negra. Os acusados de assédio incluem homens brancos, negros e latinos.
Wright tentou ignorar as afrontas incessantes –cantadas repetidas, gemidos a cada vez que dobrava a cintura para apanhar alguma coisa.
Operárias veteranas a avisaram de que denunciar só lhe traria mais problemas. Infrações menores das normas de trabalho, usualmente desconsideradas, passaram a ser suficientes para que ela recebesse advertências escritas.
Mas depois de um homem a quem Wright via como mentor brincou sobre lhe pagar US$ 5 por sexo oral, ela pediu ajuda a um representante sindical. Ele começou uma campanha que ela descreve como "não processe o Bill".
O colega de trabalho que a assediou perderia o emprego, os benefícios, a aposentadoria, o representante disse. Logo surgiram boatos sobre o relacionamento entre eles. Um dirigente sindical proferiu o insulto final: "Suzette, você é uma mulher bonita. Entenda o que aconteceu como cumprimento".
Os delitos acumulados tiveram seu efeito. Algumas mulheres se demitiram. Outras começaram a sofrer de fadiga emocional.
As queixosas disseram que enfrentaram retaliações de colegas e chefes. Uma veterana do Exército que acusou um homem de boliná-la foi fisicamente impedida pelos colegas dele de fazer seu trabalho e disse que mais tarde encontrou os pneus de seu carro furados, no estacionamento.
PROBLEMA SEM FIM
A Ford se esforçou para combater o assédio nas fábricas e recentemente expandiu seus esforços disciplinares e apontou novos líderes.
Mas ao longo dos anos a empresa não agiu com agressividade ou coerência suficientes para erradicar o problema, segundo mais de cem atuais e antigos empregados da fábrica e especialistas do setor e com documentos judiciais sobre os casos.
A Ford postergou a demissão de homens acusados de assédio, o que levou os operários a concluírem que os responsáveis não seriam punidos. Permitiu que o treinamento sobre assédio sexual minguasse e, de acordo com mulheres envolvidas nos casos, permitiu retaliações.
Dirigentes da Ford disseram ver o assédio como episódico, e não sistêmico, com um surto nos anos 90 e outro iniciado em 2010, em meio a uma onda de contratação de trabalhadores. Os executivos dizem que levam todas as queixas a sério.
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