Descrição de chapéu The New York Times

'Países-cobaia', Bolívia e Eslováquia mostram efeitos de novo Facebook

Crédito: Evan Vucci - 21.mai.2013/Associated Press Aplicativos no smartphone
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DO "NEW YORK TIMES"

Certa manhã de outubro, os editores do Página Siete, o terceiro maior site de notícias da Bolívia, perceberam uma forte queda no tráfego encaminhado pelo Facebook ao seu site.

O Página Siete havia sido alvo de ataques cibernéticos, algum tempo antes, e os editores temiam que o site tivesse se tornado alvo de hackers leais ao governo do presidente Evo Morales.

Mas a culpa não era do governo. Era do Facebook. A empresa do Vale do Silício estava testando uma nova versão de seu imensamente popular feed de notícias, e começou a remover artigos de sites noticiosos profissionais do conteúdo que é normalmente encaminhado aos usuários, relegando-os a uma nova seção do Facebook chamada Explore. Querendo ou não, a Bolívia havia se transformado em rato de laboratório para os constantes esforços de reinvenção do Facebook.

O Facebook altera e atualiza seu serviço constantemente para manter os usuários colados às suas telas, e países como a Bolívia são mercados ideais de teste devido ao crescimento que registram em seu número de usuários de internet. Mas as mudanças que a rede social promove podem ter consequências significativas, tais como limitar a audiência das fontes de notícias não governamentais e —surpreendentemente— propiciar impacto maior para artigos inventados e sensacionalistas.

Na quinta-feira (11), o Facebook anunciou planos para mudanças semelhantes em seu feed em todo o mundo. A empresa anunciou que estava tentando reforçar as"interações significativas" em seu site, enfatizando o conteúdo gerado por parentes e amigos e reduzindo a presença de material criado por marcas e provedores de conteúdo como o "New York Times".

FAKE NEWS

As mudanças estão sendo promovidas em um momento no qual a empresa se vê apanhada em um debate mais amplo sobre seu papel na difusão de notícias falsas e desinformação, disseminadas para influenciar eleições nos Estados Unidos e em outros países.

O Facebook anunciou que as mudanças anunciadas para seu feed de notícias não eram iguais às adotadas no trimestre passado em seis países nos quais lançou o programa Explore, mas as duas alterações favorecem posts de amigos e parentes de preferência a conteúdo de sites profissionais de notícias. E o que aconteceu nesses países ilustra as consequências inesperadas de uma mudança como essa por parte do serviço online, que agora atinge mais de dois bilhões de pessoas a cada mês, em todo o mundo.

Na Eslováquia, onde nacionalistas de direita conquistaram quase 10% dos assentos do Legislativo em 2016, provedores de conteúdo afirmam que as mudanças na verdade ajudaram a promover notícias falsas. Já que as organizações noticiosas oficiais passaram a ter de pagar para divulgar seu conteúdo no feed de notícias, agora cabe aos usuários disseminar informações.

"As pessoas em geral não compartilham notícias tediosas, notícias contendo fatos tediosos", disse Filip Struharik, editor de mídia social do Dennik N, um site eslovaco de notícias que opera por assinatura e viu queda de 30% no engajamento direcionado a ele pelo Facebook depois da mudança. Struharik, que vem catalogando mensalmente os efeitos do programa Explore do Facebook, viu alta firme de engajamento nos sites que publicam notícias falsas ou sensacionalistas.

Uma reportagem falsa publicada em dezembro ilustra o problema, de acordo com Struharik. A reportagem afirmava que um muçulmano havia agradecido a um bom samaritano que encontrou e devolveu sua carteira alertando-o de um ataque terrorista planejado contra um mercado de produtos natalinos.

A falsa notícia circulou tão amplamente que a polícia local divulgou um comunicado informando que ela não era verdade. Mas quando a polícia tentou divulgar seu alerta via Facebook, constatou que a mensagem, ao contrário da notícia falsa que as autoridades buscavam negar, não podia mais aparecer no feed porque provinha de fonte oficial.

O Facebook explicou seus objetivos para o programa Explore, adotado na Eslováquia, Sri Lanka, Camboja, Bolívia, Guatemala e Sérvia, em um post em seu blog em outubro.

"O objetivo do teste é compreender se as pessoas preferem ter lugares separados para conteúdo pessoal e público", escreveu Adam Mosseri, responsável pelo feed do Facebook. "Não existe plano para que o programa seja adotado em outros mercados que não os dos países teste".

OUTRO LADO

A empresa não respondeu a uma lista de perguntas sobre o programa Explore, mas Mosseri afirmou em comunicado na sexta-feira (12) que o Facebook encarava com seriedade seu papel como "plataforma global de informação".

"Temos responsabilidades para com as pessoas que leem, compartilham e assistem notícias no Facebook, e todos os testes são realizados com essas responsabilidades em mente", ele disse.

O impacto das mudanças no Facebook também foi sentido no Camboja. Meses depois de iniciada a experiência (o Facebook não informou quando ela deve terminar), os cambojanos ainda não sabem onde encontrar notícias confiáveis e estabelecidas no Facebook, disse Stuart White, editor do "The Phnom Penh Post", um jornal em inglês.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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