HÉLIO SCHWARTSMAN
COLUNISTA DA FOLHA

Se você está considerando se deve ou não investir em bitcoins, o filme "Banco ou Bitcoin", de Christopher Cannucciari, disponível na Netflix, não deve ajudá-lo muito a tomar a decisão. Mas é justamente por desprezar os movimentos de valorização e desvalorização e outros aspectos práticos das bitcoins que o documentário acaba revelando o lado mais interessante dessa criptomoeda, os ideais que motivaram seus criadores, as possibilidades que ela descortina e, também, os problemas que já causou.

Não é que as informações essenciais sobre o funcionamento da moeda não estejam presentes no filme. Estão, mas de modo disperso e não muito didático. O foco do diretor não é arregimentar investidores, mas contar a história da bitcoin, enaltecendo o que entende serem suas virtudes e sem esconder os vícios.

Cannucciari mostra como, em meados dos anos 1990, jovens libertários que chamavam a si mesmos de "cypher punks" lançaram a ideia e as bases tecnológicas de uma moeda livre e anônima, que não estaria sob o controle de nenhum banco central.

Foi preciso, porém, que viesse a crise de 2008 e, com ela, a perda de confiança no sistema financeiro, para que a iniciativa realmente avançasse.

Uma forma de ver o dinheiro é considerá-lo um sistema de registros pelo qual as pessoas anotam quem deve quanto a quem. A moeda em circulação, desde que abandonamos o padrão-ouro, não tem outro lastro que não a confiança –daí o termo moeda fiduciária– que os agentes econômicos têm nela, isto é, no Estado que a emite e zela por seu valor. Mas será que o Estado é digno dessa confiança?

Para os libertários, a resposta é claramente negativa. Daí a ideia de criar um sistema de pagamentos, isto é, uma moeda, que não tenha como garantidor nenhum banco central, mas os próprios usuários dispersos na rede de computadores. A tecnologia para isso é o "blockchain", que, ao mesmo tempo em que põe um grande número de computadores (tão grande que seria impossível hackeá-los todos) para validar cada operação que, depois de registrada, não pode ser apagada, assegura, através de técnicas de criptografia, que cada usuário da moeda permaneça indevassavelmente anônimo. Os computadores que integram a rede da bitcoin, validando as operações, são remunerados por isso. É a chamada mineração, na qual lotes de bitcoins são distribuídos aleatoriamente seis vezes por hora.

O resultado disso tudo é que, se a bitcoin (ou qualquer outra criptomoeda com base no "blockchain) tiver aceitação global, ela não apenas tornará obsoletos os bancos centrais como também muitas das funções dos bancos comerciais. Ninguém mais precisaria manter uma conta para guardar o dinheiro e fazer pagamentos à vista. Remessas internacionais se tornariam muito mais fáceis e incrivelmente mais baratas.

É claro que, entre a teoria e a prática, as coisas são mais complicadas. Cannucciari entrevista vários dos pioneiros da bitcoin bem como jornalistas econômicos para mostrar como essa ideia foi aos poucos ganhando corpo. Eles falam, muitas vezes com paixão, desse projeto, que também sofreu reveses importantes, como o escândalo Mt. Gox, uma espécie de casa de câmbio de bitcoins, onde houve um grande desfalque em 2014, e a condenação de Charlie Shrem, um dos pioneiros que foi acusado de lavagem de dinheiro por vender bitcoins sabendo que elas seriam usadas para comprar drogas no Silk Road, um site que vendia todo tipo de produto ilegal na chamada "dark web", utilizando-se da moeda virtual. Charlie até mostra sua tornozeleira eletrônica para as câmeras.

Como não poderia deixar de ser, Cannucciari também dedica vários minutos a especular sobre qual seria a real identidade de Satoshi Nakamoto, o pseudônimo do criador do protocolo original da bitcoin em 2008, que desapareceu misteriosamente em 2010. Que o fundador da primeira criptomoeda seja um anônimo não deixa de ser um sinal de que a vida às vezes imita a arte.

BANCO OU BITCOIN

  • Onde Netflix
  • Produção EUA, 2017, 14 anos
  • Direção Christopher Cannucciari
Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.