A indústria do cigarro prevê um futuro livre de fumaça, mas não de fumantes.
Após anos combatendo políticas antitabagistas, o setor decidiu abraçar uma nova bandeira: a dos cigarros eletrônicos, uma alternativa menos prejudicial à saúde, segundo Wagner Erne, presidente da Philip Morris no Brasil.
No início deste ano, a empresa, que fabrica marcas como Marlboro e L&M, fez barulho ao anunciar, em jornais britânicos, sua nova meta: largar de vez o cigarro tradicional e passar a vender apenas versões eletrônicas.
No Brasil, os produtos são proibidos desde 2009. A empresa espera que a Anvisa (agência reguladora) reveja o veto no início deste ano –o órgão, porém, afirmou à Folha que uma regulamentação sobre cigarros eletrônicos não deverá sair tão cedo.
O executivo reconhece que a transição é uma estratégia de sobrevivência, mas defende que já é possível dizer que os novos produtos são menos danosos à saúde.
Como argumento, afirma que países europeus já autorizam a venda e diz que, mesmo que a comprovação final venha só daqui a 30 anos, vale a pena correr o risco, já que as evidências obtidas indicam que pior que fumar o cigarro tradicional não fica.
Folha - Como seria o "smoke-free future" [do inglês, futuro sem fumaça ou fumo] que vocês anunciaram?
Wagner Erne - Há muito tempo se sabe que o fumante consome o cigarro pela injeção de nicotina, mas o que faz mal é a combustão do tabaco. O que não se tinha até então era a tecnologia para extrair a nicotina do tabaco. O avanço tecnológico permitiu isso. Esse é o futuro da indústria.
Qual vai ser o primeiro local [a interromper a venda de cigarros tradicionais]?
É difícil dizer porque depende da conversão dos usuários. A transição passa pelos reguladores. A gente precisa ter a possibilidade de conversar com esse usuário e mostrar como mudar de hábito. Não é apenas colocar na prateleira, isso não funciona.
Meu CEO [presidente mundial] falou que a gente não vai parar de produzir cigarro enquanto ele for CEO [o prazo de sua gestão é de até cinco anos], mas espera que na vida dele veja a empresa parar de produzir. Isso dá um prazo.
No Brasil, qual a previsão?
Precisa da aprovação da Anvisa. Dentro das normas [atuais], não passo. A Anvisa colocou em 2017 uma consulta pública para revisar [o marco regulatório de produtos fumígenos], e pedimos para incluir tabaco aquecido [um dos novos produtos eletrônicos da empresa].
Esperávamos uma decisão em dezembro de 2017 e foi postergado para este ano. Sendo bem otimista, conseguiria comercializar nos próximos dois anos. Mas é difícil precisar.
Ficaria extremamente frustrado se não conseguisse comercializar isso em um futuro próximo. Temos 20 milhões de fumantes. Sabemos que fumar é danoso à saúde. Temos uma alternativa menos danosa e não posso comercializar? Não faz sentido.
O que se alega é que faltam estudos independentes sobre impactos de longo prazo.
Uma coisa é certa: é menos danoso que cigarro. No curto, no médio e no longo prazo.
Tem muita comprovação externa. Esse produto está sendo recomendado pelo Health UK [órgão de saúde ligado ao governo britânico]. Tenho o FDA [agência reguladora de saúde nos EUA], que já aceitou nossa proposta. Tenho comercializado na Suíça, na Alemanha, no Canadá, no Japão.
Falar que tem 32 países europeus e na América do Norte que comercializam isso com base no que já foi apresentado e que isso não é conclusivo"¦
A aprovação em outros países é uma comprovação?
Pelo menos para mim é um forte indicador de que a ciência por trás disso tem sentido. São países usados como referência, até para produtos farmacêuticos. E é um pouco inverdade alegar que não há estudos independentes.
Como foi a opção por quais mercados começar?
Precisamos de um marco regulatório adequado. Na América Latina, já tem na Colômbia, Curaçao e Guatemala. Se está buscando uma resposta de mercado, não existe.
É basicamente onde tem regulamentação para aprovar?
Sim, e comercializar. É fundamental explicar para o consumidor. Poder ter acesso aos veículos. Não estou falando de televisão, pode ser no próprio ponto de venda.
No anúncio [divulgado do Reino Unido], vocês afirmam que vão apoiar políticas antitabagistas. É curioso, vindo da indústria do cigarro.
Cigarro faz mal à saúde. Hoje, com tecnologia, conseguimos ficar livres disso. Queremos trabalhar para que não tenha mais consumo de cigarro tradicional. Obviamente, onde fica o lado do negócio, eu tenho plataformas que podem satisfazer esse cliente. Meu negócio continua.
Uma forma de garantir a sobrevivência do negócio?
Lógico. Usando o exemplo da Kodak. Somos a Kodak que inventou a câmera digital, mas a gente não quer perder o mercado, queremos ser líderes dentro da categoria de tabaco aquecido.
Em 2017, a Reuters divulgou uma série de documentos mostrando como a Philip Morris agia para barrar campanhas antitabagistas. Como vocês pretendem se relacionar com essas políticas públicas?
Existe uma alternativa agora. O que se espera é mais e mais governos e países ajudando nessa migração.
E se pesquisas futuras desmentirem [as evidências pró cigarros eletrônicos]?
A gente só vai ter a comprovação científica final daqui a 30 anos de uso massivo.
Tem duas alternativas. Ou fico sentado por 30 anos esperando a última comprovação, e isso vai custar milhões de vidas, ou, com base no que já tenho, começar a comercializar isso, sabendo que existe um risco mínimo de que talvez não seja tão menos nocivo quanto a gente fala. Mas não tem como ser pior [que o cigarro]. Então, por que não?
RAIO-X/WAGNER ERNE
Formação
Administração na Fundação Getulio Vargas
Carreira
Na Philip Morris desde 1999, o executivo já atuou na Suíça, no México, na Alemanha e em Benelux (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo). Em 2013, retornou ao Brasil para assumir a presidência
3.000
são os funcionários da Philip Morris no Brasil
US$ 1,9 bilhão
foi o lucro líquido global da empresa no 3ºtri.2017
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