Comportamento entra no currículo de instituições

Crédito: Keiny Andrade/Folhapress A judoca Stefannie Arissa Koyama, que disputará o Mundial de Budapeste pela seleção brasileira
Karoline Santana participou de treinamento do Instituto Coca-Cola

ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO

Por quatro meses, Karoline Santana, 23, circulou pelas ruas de São Bernardo do Campo levantando informações do comércio local que serão utilizadas para atualizar cadastros do Google.

Mais do que sola de sapato, a jovem usou, no emprego temporário na empresa de tecnologia, que terminou em meados deste mês, as habilidades de comunicação adquiridas há pouco tempo.

"Aprendi a ter uma atitude mais profissional, a me colocar de maneira mais formal e não usar tantas gírias."

Karoline participou em 2017 do "Coletivo Jovem", programa de treinamento para o mercado de trabalho que o Instituto Coca-Cola oferece em comunidades carentes.

O projeto nasceu em 2009 e atendeu 700 mil jovens.

Originalmente seu conteúdo era composto por 80% de habilidades técnicas, voltadas para o setor de varejo, e 20% de competências comportamentais. Em 2016, o curso passou por uma reformulação, e esses percentuais se inverteram.

"Nos demos conta de que não eram aquelas habilidades [mais técnicas] que ajudavam os jovens a se manter no mercado", diz Guilherme Oliveira, gerente de empregabilidade do Instituto Coca-Cola.

A maior carência dos jovens no início de carreira, ressalta, é um conjunto de habilidades que podem ser resumidas como "postura profissional": "Tentamos ajudá-los a identificar seus pontos fortes e suas fraquezas, a trabalhar em equipe e a se comunicar bem".

Crédito: Paulo Pinto/CBJ A judoca Stefannie Arissa Koyama, que disputará o Mundial de Budapeste pela seleção brasileira
Gabriel Patrocínio, aluno de mecatrônica do Insper

FALAR EM PÚBLICO

Segundo pesquisa da Fundação Lemann, com o Todos pela Educação e a Plano CDE, os jovens se sentem sem preparo para falar em público e até para enviar e-mails formais. O mercado se queixa.

Isso já levou instituições a inserir habilidades socioemocionais em seus currículos. São os casos da medicina do hospital Albert Einstein, da engenharia do Insper e das graduações da Kroton.

A nova base comum curricular também contempla a inclusão dessas competências desde o fundamental.

"Uma das coisas mais importantes que tenho aprendido aqui é falar bem, enxergar os problemas como um todo e interagir com meus colegas para tentar solucioná-los", diz Gabriel Patrocínio, 20, aluno do sétimo semestre de mecatrônica do Insper.

Na Kroton, a atividade "Projeto de Vida", em que os alunos do segundo período são orientados sobre a importância de ter metas, é oferecida como atividade complementar. "Ficamos surpresos com a aderência de 74% dos estudantes pois não é uma disciplina obrigatória", diz Mario Ghio, vice-presidente de graduação da Kroton.

Embora também sejam chamadas de competências do século 21, habilidades como dedicação, sociabilidade e persistência são consideradas importantes há muito tempo. Mas têm se movido para o centro do debate em razão de outras questões.

O economista André Portela, da FGV, lembra que os jovens hoje entram mais tarde no mercado de trabalho.

"Essa idade era muito menor, cerca de 14 anos, e, com isso, as empresas já sabiam que teriam de terminar de formar os jovens", diz.

Além disso, há mais profissionais diplomados disputando vagas em um mercado de trabalho mais enxuto.

"Os processos seletivos se tornam mais rigorosos. As empresas querem ter certeza de estar contratando os profissionais certos", diz Ghio.

A automação intensifica essa busca. A OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) ressaltou em relatório recente que os robôs já são capazes –ou se tornarão em breve– de desempenhar tarefas profissionais com maior proficiência que os humanos.

Por isso, diz a organização, é recomendável considerar a inclusão de novas habilidades nos currículos.

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