FLAVIA LIMA
DE SÃO PAULO

Está em curso uma espécie de guerra fiscal global. Um número cada vez maior de países corta tributos para atrair empresas dispostas a produzir em seus territórios. O Brasil -que amarga uma crise fiscal e se esforça para não promover uma nova rodada de aumento de impostos- corre o risco de ficar para trás, o que significaria perda de investimentos e de empregos.

O exemplo mais retumbante dessa competição vem do Norte. Em dezembro, os congressistas americanos aprovaram a redução da alíquota do imposto sobre o lucro das empresas de 35% para 21%.

Ao Sul, porém, há movimentos na mesma direção. Na virada do ano, a Argentina seguiu Donald Trump e também aprovou um corte tributária progressivo.

A lista de nações que já anunciaram a intenção de reduzir os tributos corporativos nos próximos dois anos é diversificada. Inclui Japão, Grécia, Bélgica e Reino Unido. A expectativa é que o México, pressionado pelas mudanças americanas, entre na fila.

COMPETIÇÃO

Dados da consultoria EY indicam que o imposto médio corporativo no grupo da OCDE (que reúne países em sua maioria desenvolvidos) era de 32% em 2000 e caiu para 24% neste ano -bem abaixo dos 34% cobrados hoje pelo Brasil. Na América Latina, já é certo que o país vai perder espaço até para a Colômbia. Hoje a tarifa total está em 37% e vai cair a 33% até 2019.

Se quiser entrar na competição tributária mundial, o Brasil terá que rever a cobrança sobre o lucro corporativo, diz Bernard Appy, diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal). "Não é uma questão de o Brasil querer ou não mudar, mas de ser competitivo como um polo de atração de investimentos", diz Appy.

Na reforma americana, além da alíquota menor para quem produz internamente, os EUA isentaram o lucro obtido por empresas americanas no exterior. Antes, quando empresas americanas repatriavam o lucro auferido em outros países, pagavam a diferença em relação à alíquota dos EUA, de 35%.

Assim, uma empresa americana que produzia no Brasil pagava 34% por aqui mais uma diferença de 1%, se enviasse o lucro aos EUA. Com a isenção nos EUA, o peso de produzir no Brasil cresceu.

ARGENTINA

Na Argentina, a alíquota caiu de 35% para 30% desde janeiro e será de 25% a partir de 2020. Essa desvantagem fiscal pode resultar em deslocamento de produção e perda de postos de trabalho para o país vizinho, como, de certa forma, já ocorre com o Paraguai, diz Eduardo Fleury, do escritório FCR Law.

Segundo reportagem da Folha, 7 em cada 10 novas empresas abertas no Paraguai são brasileiras em busca de um ambiente de negócios mais amigável, o que inclui menos impostos.

A percepção é que multinacionais, como montadoras de veículos e fabricantes de proteína animal, podem transferir parte da produção para a Argentina, aproveitando-se do imposto mais baixo.

Depois disso, essas empresas exportariam esses produtos para o Brasil, tirando vantagem das tarifas diferenciadas do Mercosul, o tratado comercial entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Gustavo Carmona, diretor-executivo da consultoria EY, diz que a Argentina se equipara ao Brasil na qualidade da mão de obra, mas o imposto menor e um governo mais confiável aos olhos do investidor externo podem colocar os argentinos na dianteira.

Para um executivo de uma grande montadora que atua no Brasil, a estratégia argentina é um incentivo para empresas que estão no Brasil produzirem mais lá. E pode ajudar a proteger a indústria argentina no processo de abertura do mercado que virá com o acordo da União Europeia. Para ele, enquanto o governo argentino reduz encargos pensando no futuro, o brasileiro não sabe nem o que fazer com o Inovar-Auto.

João Manoel Pinho, secretário do Ministério da Fazenda, diz que as mudanças estimulam o Brasil a repensar o sistema tributário, o que, segundo ele, é imperativo.

Para ele, talvez seja menos importante rever a carga tributária e focar na redução da complexidade do sistema -o principal atrativo para as firmas manterem operações e domicílio fiscal no Brasil.

Colaborou TATIANA VAZ, de São Paulo

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