Boom de petróleo confere vantagens aos EUA, na diplomacia e na energia

Crédito: Al Grillo - 23.dez.2003/Associated Press Foto de refinaria em Valdez, Alasca
Foto de refinaria em Valdez, Alasca

CLIFFORD KRAUSS
DO "NEW YORK TIMES", EM HOUSTON

Um aumento substancial nos preços do petróleo, nos últimos meses, levou a uma retomada da produção petroleira nos Estados Unidos, o que permitiu que o país conteste o domínio saudita sobre o mercado e alivie as pressões de preço nas bombas de gasolina.

O sucesso ocorreu apesar dos esforços da Arábia Saudita e de seus aliados petroleiros para combater a ampliação na exploração de petróleo de xisto betuminoso nos Estados Unidos. As estratégias adotadas por eles fracassaram, e beneficiaram o setor petroleiro americano.

A capacidade do setor de petróleo de xisto betuminoso para superar três anos de queda de preços foi uma prova de sua maleabilidade. As empresas de energia e seus investidores no ramo financeiro conseguiram sobreviver à desordem nos mercados –e às manobras do cartel petroleiro mundial–, ajustando suas técnicas de exploração e extração.

Depois de uma dolorosa reacomodação no setor, que envolveu dezenas de falências e perda significativa de postos de trabalho, o segmento de petróleo de xisto betuminoso se tornou mais firme, com ajuda do setor financeiro.

Com o preço do petróleo cru padrão West Texas Intemediate acima dos US$ 65 por barril, o mais alto em quase três anos, os Estados Unidos estão se tornando um produtor dominante. Os americanos conseguem superar seus concorrentes nas vendas aos mercados internacionais em crescimento, especialmente China e Índia, e as importações americanas de petróleo extraído no Oriente Médio e na África do Norte estão se reduzindo.

Neste ano, os Estados Unidos devem ultrapassar a Arábia Saudita e se equiparar à Rússia como maiores produtores mundiais de petróleo, com extração recorde da ordem de mais de 10 milhões de barris ao dia, de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica.

"Essa é uma virada de 180 graus para os Estados Unidos, e o impacto está sendo sentido em todo o mundo", disse Daniel Yergin, historiador da economia e autor de "The Prize: The Epic Quest for Oil, Money and Power". "Isso não só contribui para a segurança energética dos Estados Unidos mas também para a segurança energética do planeta, ao criar novas fontes de suprimento".

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estão se tornando grandes exportadores de gás natural, outra consequência da revolução do xisto betuminoso, o que ajuda a reduzir o domínio russo no mercado de energia da Europa Oriental.

A melhora no quadro da energia surge no momento em que o governo Trump está tentando facilitar as perfurações na plataforma continental dos Estados Unidos e afrouxar outros regulamentos sobre o desenvolvimento de combustíveis fósseis. Mas da mesma forma que o aumento na extração de petróleo de xisto betuminoso nos Estados Unidos da era Obama teve pouco a ver com Washington, a alta atual resulta da resposta de empresas privadas aos movimentos dos mercados mundiais.

Os campos de xisto betuminoso podem ser desenvolvidos com relativa rapidez e a custo modesto, se comparados aos projetos gigantescos, tanto terrestres quanto marítimos, que costumavam ser favorecidos pelas grandes empresas petroleiras. Isso torna mais fácil ampliar e reduzir os investimentos para acompanhar as flutuações do mercado. Empresas como a Exxon, Mobil e Chevron estão investindo cada vez mais capital nos campos de xisto betuminoso, especialmente no oeste do Texas e no Novo México.

DISTÚRBIOS

Os resultados vão bem além da economia, e oferecem a Washington armas estratégicas antes impensáveis. Os Estados Unidos e seus aliados agora têm um excedente de oferta, em um momento no qual os distúrbios políticos na Venezuela, Líbia e Nigéria ameaçam interromper o fluxo de petróleo dessas áreas ao mercado.

Alguns anos atrás, situações ameaçadoras como essas, acompanhadas por problemas em um oleoduto no Mar do Norte e tempestades no Golfo do México, teriam causado disparada no preço do petróleo cru. Mas a alta recente foi discreta, e a gasolina continua a ser vendida abaixo dos 70 centavos de dólar por litro na maior parte do território dos Estados Unidos.

Muitos ambientalistas argumentam que, ao ampliar a oferta de petróleo e gás natural e reduzir seu preço ao consumidor, a exploração do petróleo de xisto betuminoso está estendendo a vida dos combustíveis fósseis, em detrimento do meio ambiente e do desenvolvimento de fontes mais limpas de energia.

A revolução da exploração do xisto betuminoso reordenou o mercado mundial de energia, com as importações vindas de países membros da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) caindo em 20% do final de 2016 ao final de 2017. Ao mesmo tempo, as exportações totais de petróleo cresceram em centenas de milhares de barris ao dia.

No final de 2014, quando a produção nacional de petróleo americana começou a pesar sobre os preços mundiais da commodity, nada disso havia sido previsto.

Em resposta, a Arábia Saudita convenceu a Opep a mudar de direção. Em lugar de reduzir a produção para sustentar os preços, como o cartel sempre costumou fazer, a ideia era deixar o mercado funcionar; a Opep chegou até a elevar sua produção, por algum tempo.

Os preços caíram para menos de US$ 40 por barril, e os sauditas e seus aliados esperavam tirar os rivais norte-americanos do negócio, ao inviabilizar a exploração do petróleo de xisto betuminoso. A produção norte-americana caiu rapidamente, mas a compressão de preços levou as empresas a inovar no uso de tecnologias de perfuração, robótica e sensores, a fim de maximizar a extração e reduzir custos.

Dezenas de empresas de pequeno porte saíram do negócio, mas os sobreviventes alongaram os poços horizontais para ampliar seu rendimento e recorreram a estratégias de hedge e perfuração inteligentes a fim de maximizar lucros, ainda que em meio a uma baixa de preços.

A resposta surpreendeu a comunidade petroleira mundial. A Opep, a Rússia e os países produtores a eles aliados mudaram de curso e começaram a reduzir sua produção novamente, em 2016.

"A Opep se enganou", disse René Ortiz, antigo secretário geral da Opep e antigo ministro da Energia do Equador. "Eles achavam que recuperariam mercado nos Estados Unidos ao derrubar os preços. Agora, os Estados Unidos tomaram a liderança do mercado mundial de petróleo não importa o que faça a Opep".

"Essa substituição do petróleo saudita, nigeriano, líbio e venezuelano jamais foi antecipada", disse Ortiz.

Uma semana atrás, os líderes da Opep se reuniram no Omã para discutir a possibilidade de prolongar até 2019 a redução da produção dos membros do cartel, a fim de sustentar os preços.

Avanços tecnológicos que permitiram acesso a petróleo em rochas densas como o xisto resultaram em um frenesi de perfuração, dobrando a produção em uma década e fazendo de lugares improváveis como o Dakota do Norte e o Novo México polos petroleiros mundiais.

No ano passado, a produção nacional de petróleo dos Estados Unidos foi de em média 9,3 milhões de barris diários, e o Departamento de Energia americano prevê que ela atinja 10,3 milhões de barris diários este ano, ultrapassando um recorde estabelecido em 1970.

Enquanto isso, porque uma proibição de exportação que durou 40 anos foi suspensa em 2015, as exportações norte-americanas de petróleo subiram para em média dois milhões de barris ao dia –superiores às de muitos dos países membros da Opep.

Para 2019, o departamento projeta crescimento de 500 mil barris diários na produção média americana.

Preocupações com a mudança do clima e a crescente popularidade dos carros elétricos, bem como o envelhecimento dos melhores campos de xisto betuminoso, provavelmente reduzirão a produção e a demanda nas próximas décadas. Mas, em curto prazo, o boom mudou o panorama.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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