Cai participação social em questões orçamentárias no Brasil, diz estudo

Crédito: Joel Rodrigues/Frame/Folhapress BRASÍLIA, DF, 17.03.2015: O presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), preside sessão conjunta da Câmara e Senado, de votação do Orçamento Geral da União para 2015
Votação do Orçamento Geral da União para 2015 no Congresso

ANAÏS FERNANDES
DE SÃO PAULO

As oportunidades de participação social oferecidas pelo governo brasileiro no processo orçamentário despencaram em 2016, aponta estudo divulgado pelo IBP (International Budget Partnership) nesta terça-feira (30).

Em sua Pesquisa de Orçamento Aberto, a organização internacional avalia três pilares: transparência orçamentária, participação social e fiscalização do processo de elaboração do Orçamento. O IBP analisou iniciativas e atividades de 115 países ao longo de 2015 e 2016.

No quesito de participação social, o Brasil marcou 35 de 100 pontos possíveis, contra 71 pontos registrados no relatório anterior, de 2015, o que significava que o governo oferecia oportunidades substanciais para o engajamento da sociedade. A média global é de 12 pontos.

"Não podemos comparar diretamente os 35 pontos com 71, porque houve algumas mudanças na metodologia, mas sabemos que está aquém, porque mecanismos de participação que já estavam consolidados na rotina do governo não aconteceram no período", explica Carmela Zigoni, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), parceiro do IBP no Brasil.

O TCU (Tribunal de Contas da União) até se saiu bem e marcou 78 pontos, mas o Legislativo ficou com 50 pontos, considerado "no limite", enquanto o Executivo não passou de 18.

"O TCU está fazendo a parte dele, mas o relatório apresenta algumas recomendações pontuais, como para que o órgão crie um espaço efetivo de participação, porque ele produz e disponibiliza os relatórios, mas não tem uma instância de diálogo para discutir os resultados", diz Zigoni.

Um dos motivos para a queda apontado no estudo é o fato de que não foi realizada, em 2016, reunião do Fórum Interconselhos. O fórum reúne representantes de diversos conselhos nacionais e entidades representativas da sociedade para colaborarem na elaboração e no monitoramento da execução dos Planos Plurianuais.

As audiências públicas não são obrigatórias, e a participação nas consultas digitais, segundo o Inesc, se mostrou baixa. No ano passado, período que não é abarcado pelo estudo, houve reunião.

Para Zigoni, a pesquisa revela que a população brasileira pouco participa de momentos de decisões no ciclo orçamentário.

"Estamos vivendo um período de ajuste fiscal, tivemos a definição do teto de gastos e não houve uma consulta pública para a sociedade sobre o tema, um plebiscito, por exemplo, para que as pessoas pudessem dar sua opinião sobre essa política."

TRANSPARÊNCIA

No ranking global de transparência orçamentária do IBP, o Brasil manteve os 77 pontos obtidos no relatório anterior, mas perdeu uma posição no ranking e agora encontra-se empatado com os Estados Unidos na 7ª posição.

Com isso, deixou de ser o líder na América Latina, ultrapassado pelo México (79 pontos).

"México e Geórgia subiram e acabaram empurrando o Brasil para baixo. Mas o país, na verdade, estagnou. Avançamos muito de 2006 a 2012, só que as recomendações do relatório anterior não foram acatadas, como a institucionalização do Fórum Interconselhos", afirma Zigoni.

Apesar da queda, o Brasil permanece no nível de transparência orçamentária considerado substancialmente suficiente, à frente de países como Reino Unido, França, Canadá e Alemanha.

Zigoni pondera, no entanto, que o acesso real a essas informações fica restrito ao próprio Estado, ao meio acadêmico e a algumas organizações.

Segundo ela, os cidadãos não têm acesso real a tais informações, seja porque são muito técnicas, ou porque não se investe em políticas de reuso de dados para apresentá-los de forma mais "amigável" para a população.

"Transparência não garante democracia nem que a corrupção vai acabar. É possível monitorar gastos, ter acesso a dados abertos, mas é um informação que acaba ficando restrita a alguns grupos, e o controle social é prejudicado", afirma.

O relatório recomenda que sejam criadas mais instâncias de participação social no Brasil, bem como que haja um reforço de algumas iniciativa já existentes, como o Orçamento Cidadão —que produz uma versão mais didática do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual).

"É uma iniciativa super positiva, mas muitos pessoas não sabem que existe, tem uma tiragem pequena. É preciso disseminar melhor essas informações", diz Zigoni.

A capacidade de fiscalização do orçamento também foi analisada na pesquisa. A pontuação do Brasil nessa área foi de 76, considerando o TCU e o Legislativo.

Segundo o relatório, as instituições oferecem uma fiscalização adequada na fase de planejamento do ciclo orçamentário, mas ela se torna mais limitada durante sua execução.

"Ainda que o TCU pontue com nota máxima na disponibilização dos documentos [transparência], não existe uma revisão independente das auditorias do TCU; e o órgão não diz como usou as sugestões do público na formulação do seu programa de auditoria", explica Zigoni.

MUNDO

A pesquisa mostra que 89 dos 115 países não disponibilizam publicamente informações orçamentárias suficientes.

As situações mais precárias —isto é, países que não marcaram nenhum ponto no índice para transparência— são de Níger (África), Venezuela (América do Sul), Guiné Equatorial (África), Lesoto (África), Catar e Iémen, ambos no Oriente Médio.

"As diminuições na transparência orçamental são preocupantes num cenário global de desigualdade crescente, de restrições dos meios de comunicação e da liberdade cívica, e de enfraquecimento da confiança entre cidadãos e seus respectivos governos", disse Warren Krafchik, director executivo do IBP, em nota.

Na ponta extrema, a Nova Zelândia lidera o ranking, com 89 pontos, empatada com a África do Sul.

Crédito: Editoria de arte/Folhapress

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